Capítulo 13 ∞ Cinzas

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Acordei com a mente pesada e confusa, como se as bordas da realidade ainda estivessem se desfazendo. Observei meus pés cobertos de terra, e a lembrança da noite anterior começou a me assombrar. Será que realmente estive na floresta, ou tudo não passava de um sonho estranho? O lobo... Será que ele era real? Ou apenas uma criação da minha própria mente? A dúvida começou a se transformar em medo.

Olhando ao redor do quarto, minha atenção pousou nos cadernos antigos da minha mãe, ao lado do anel e do medalhão. Seriam esses objetos as respostas para todo esse mistério ou apenas o combustível para a loucura que sentia começar a se instalar em mim? Era como se as páginas dos cadernos e o brilho escuro do medalhão tivessem vida própria, me encarando de volta, desafiando-me a entender. Pensei em falar com alguém sobre o que estava passando, mas o receio de ser chamada de louca me paralisou. Além disso, tinha a sensação de que ninguém acreditaria.

Ficou claro para mim que precisava vender a casa e ir embora o mais rápido possível. Quem sabe, em Chicago, longe de toda essa neblina de estranheza, eu pudesse voltar ao normal. Decidida, tomei um banho quente, tentando lavar não só a sujeira, mas também a sensação desconfortável daquela noite. Me vesti, preparando-me para falar com Philips Dupont, tio de Kael, e ao sair, peguei um dos cadernos de minha mãe, na esperança de encontrar alguém que pudesse decifrar os símbolos rabiscados ali.

Ao chegar na casa de Kael, senti o peso daquele caderno como se carregasse um segredo junto comigo. Talvez Philips pudesse indicar alguém que compreendesse o que aquilo tudo significava.

Ao chegar à casa de Kael, descobri que ele não estava. Senti um um alívio. Talvez fosse mais fácil lidar com tudo apenas com Philips, que me pareceu atencioso ao me convidar para seu escritório, oferecendo uma xícara de chá enquanto me acomodava. O escritório dele era austero e elegante, com estantes repletas de livros de encadernações gastas e alguns objetos antigos que pareciam de coleções pessoais. Algo naquela atmosfera me acalmou, como se ele estivesse acostumado a lidar com assuntos diversos.

Respirei fundo antes de explicar minha situação. 

— Preciso vender a casa, o mais rápido. — eu disse a Philips. — Tem... coisas estranhas acontecendo desde que chegueo à cidade. — tentei resumir.

—Você está bem, Anne? — ele perguntou, e por um instante, hesitei. Mas sabia que havia algo nos cadernos que podia fazer toda uma diferença naquele diálogo, algo que parecia despertar tudo isso, e ele era a única pessoa a quem eu poderia confiar o que estava acontecendo. Peguei o caderno de capa verde e o entreguei a ele.

 Contei sobre os sonhos vívidos, o lobo, o símbolo estranho que se parecia com a minha marca de nascença. Ele me ouviu com atenção e, em um momento, olhou para mim com uma expressão séria, quase como se me perguntasse se eu estava certa do que dizia.

— Isso era da minha mãe. Estava na casa, mas eu não faço ideia do que está escrito aí. E não é o único caderno, há outros, com os mesmos símbolos e palavras desconexas. Nada faz sentido para mim. 

Philips o folheou em silêncio, seus olhos examinando cada símbolo e frase como se reconhecesse alguma coisa. 

— Você, por acaso, sabe o que são esses símbolos? — Perguntei, um pouco ansiosa, na esperança de que pudesse interpretar aqueles escritos e esclarecer os símbolos. 

Ele, porém, levantou os olhos lentamente, fechando o caderno com cuidado, e respondeu com uma firmeza inesperada.

— Anne, seria melhor que você não mostrasse esses cadernos a mais ninguém. Há coisas aqui que é preferível deixar... sem respostas.

Seus olhos revelavam algo indecifrável — talvez um receio, uma experiência que ele conhecia e preferia que eu não revivesse.

Philips permaneceu em silêncio por alguns segundos, segurando o caderno com ambas as mãos, olhando-o de uma maneira que me deixou ainda mais inquieta. Respirei fundo, sentindo que precisava de respostas.

— Por que não posso mostrar a mais ninguém? Por que não pode simplesmente me dizer o que está escrito? Eu tenho o direito de saber. Minha mãe morreu, e sou eu quem precisa lidar com tudo isso agora. Preciso entender o que ela deixou para trás.

Ele continuou me encarando com uma expressão que misturava compaixão e uma certa dureza. Era quase como se estivesse tentando me proteger de alguma coisa que acreditava ser grande demais para eu suportar.

—  Anne —  ele começou, com a voz calma — O que está neste caderno, e o que você encontrou naquela casa, são coisas profundamente particulares. Pertencem à sua mãe, sim, mas também à história da sua família. Eu... não deveria interferir. Não quero invadir algo que é seu, algo que só você pode decidir explorar.

— Mas como posso explorar algo que nem ao menos compreendo? — Minha voz saiu mais alta do que eu pretendia, e percebi meu nervosismo crescer. — Se tudo isso é uma história familiar, por que ninguém nunca me contou nada? Eu sequer sabia que minha mãe escrevia ou que guardava esses cadernos.

Philips desviou o olhar, pensativo. Por um momento, ele pareceu ponderar se diria algo a mais, mas então apenas fechou o caderno, devolvendo-o para mim. Ele suspirou antes de continuar.

— Anne, há histórias... que muitas vezes são passadas de geração em geração, mas também há segredos, que só são revelados quando a hora é certa — e apenas a quem pertence. Não é que não queira ajudar, mas me envolver além disso... poderia ter consequências.

— Consequências? Como assim? — Eu me inclinei para ele, querendo entender cada palavra. —  Philips, a sensação que tenho é que estou andando na escuridão, tropeçando em coisas que não consigo ver. Se sabe de algo, por favor, me diga.

Ele ficou em silêncio novamente, e notei que, de certa forma, ele estava considerando minhas palavras. Por fim, Philips colocou uma das mãos no meu ombro. 

—  Anne, é possível que, ao buscar respostas, você acabe descobrindo mais do que pretende. Mas, se decidir seguir esse caminho, deve estar preparada para aceitar tudo o que vai encontrar, e não se engane, nem tudo será fácil de aceitar.

Essas palavras ecoaram em mim. O que poderia ser tão grande, ou tão sério, para ele falar daquela forma? Peguei o caderno, apertando-o contra o peito.

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