Capítulo 4 ∞ Atração

10 2 0
                                    

Depois do encontro com Kael, continuei minhas compras e fiz uma parada numa loja de ferragens. Lá dentro, uma mistura de poeira e óleo de máquina impregnava o ar. Caminhei até o balcão onde um senhor grisalho me olhou com olhos curiosos.

— Em que posso ajudar, senhorita?

Coloquei as pilhas e as velas sobre o balcão.

— Preciso dessas... e uma orientação, talvez. A eletricidade na casa da minha mãe não está funcionando. Sabe quanto tempo demora para eles resolverem isso?

Ele coçou a barba, pensativo.

— Ah, com essa chuva sem fim que temos tido... talvez leve alguns dias. A estrada até a central de energia fica intransitável quando chove muito, então eles esperam o tempo estabilizar pra religar com segurança. Enquanto isso, as velas e as lanternas vão ser suas melhores amigas, pelo jeito.

Dei um suspiro resignado, tentando não deixar a frustração transparecer.

— Ótimo... e o banho frio também vai fazer parte da rotina, imagino. — Brinquei, com um sorriso forçado.

Ele me lançou um olhar compreensivo, então inclinou-se para frente, parecendo tentar me ajudar.

— A casa não tem um gerador? Praticamente todas aqui têm. Nessa região, estamos acostumados com a eletricidade instável.

Eu o olhei, confusa, percebendo o quão pouco sabia sobre a casa e sobre a rotina da cidade.

— Não faço ideia. Nem cheguei a verificar. Como eu sei se tem um?

Ele gesticulou com as mãos, explicando.

— Geralmente ficam num pequeno barracão do lado de fora ou numa sala isolada, com uma porta fechada. Se tiver um, vai precisar de combustível, que você encontra ali na estrada para o norte. Se tiver algum problema com o gerador, me procure. Posso dar uma olhada e ver se consigo fazer algo.

Agradeci a gentileza, pagando pelas pilhas e velas e saindo da loja. Quando cheguei ao carro, olhei para o céu, que parecia cada vez mais carregado de nuvens escuras. Por um instante, considerei esperar um pouco, mas a ideia de enfrentar uma noite naquele frio me motivou a partir logo. Tentei o celular novamente, quase num reflexo, e nada. Suspirando, guardei-o no bolso, aceitei o fato de estar realmente isolada e liguei o carro.

Enquanto dirigia de volta para a casa, o caminho ficou mais sinuoso e lamacento, e as árvores formavam uma espécie de túnel, quase fechando o céu. Meus pensamentos vagavam, ainda processando cada encontro do dia, o Kael... 

Enquanto dirigia com cuidado pela estrada molhada, meus pensamentos giravam em torno das lembranças da minha mãe, e as poucas que eu tinha de Willow Creek. Eu mal percebia a chuva que agora caía com força, tornando o caminho ainda mais difícil. Foi só quando uma sombra surgiu na minha frente que percebi o perigo. O carro derrapou, tentei frear, mas senti o impacto. Meu coração disparou. Eu tinha atropelado alguma coisa.

Engoli em seco e abri a porta devagar, o vento e a chuva açoitando meu rosto enquanto eu avançava hesitante até a frente do carro. Me preparei para ver algum animal ferido... mas a imagem que encontrei fez meu sangue gelar. Era um rapaz. Praticamente seminu, caído no chão. Como ele veio parar aqui? Eu juro que vi algo peludo antes, algo que certamente não era humano. Será que estava alucinando?

Abaixei-me ao lado dele, com medo de tocá-lo. O rosto dele estava relaxado, embora houvesse uma expressão de dor sutil, um vinco na testa, como se estivesse apenas adormecido, mas lutando contra um sonho ruim. Num impulso, sussurrei:

— Ei... você consegue me ouvir?

Nada. Aproximei a mão do rosto dele para sentir a respiração, mas, ao encostar nos ombros, percebi que ele estava quente. Muito quente. Como se estivesse febril. E antes que eu pudesse fazer mais alguma coisa, sua mão se moveu e agarrou a minha, forte, pegando-me de surpresa.

— Você... você está bem? — perguntei, a voz trêmula, enquanto tentava processar o que acabara de acontecer.

Ele abriu os olhos lentamente, e seu olhar encontrou o meu, um mar de escuridão que parecia incapaz de focar completamente.

— Estou... bem. — Ele tentou se levantar, mas quase caiu de volta. Meu impulso foi segurar seu braço, oferecendo apoio.

— Olha, vamos ao hospital. Eu posso levá-lo... Acho que tem um médico na cidade.

Ele pareceu hesitar, franzindo o cenho.

— Não. O médico mais próximo fica longe daqui. Você teria que voltar toda a estrada, e com a chuva... melhor me deixar na reserva, ali adiante.

Tive vontade de discutir. Ele parecia muito mais machucado do que admitia. Mas alguma coisa em sua expressão, uma espécie de urgência calma, me fez recuar. Respirei fundo.

— Tá bom, mas promete que se começar a sentir alguma dor, vai me avisar.

Ele assentiu, e o ajudei a entrar no carro. Peguei uma manta do banco de trás e estendi a ele.

— Você... você estava praticamente sem roupa. Não sente frio? — As palavras escaparam antes que eu pudesse controlar minha curiosidade.

Ele pegou a manta, mas com uma expressão quase divertida, como se a pergunta não fosse nada de mais.

— Estou acostumado. Passei a noite na floresta... às vezes, perco a noção de onde estou.

Passei a mão pelo rosto, sem saber se acreditava nele. Era tudo tão estranho.

— Você tem um nome? — perguntei, meio desconfiada, enquanto voltava a dirigir, a chuva ainda forte.

Ele ficou em silêncio por um momento, antes de responder, a voz baixa e rouca.

— Nick.

Apenas assenti, concentrada na estrada. Nick parecia cansado, mas à vontade, como se realmente estivesse acostumado a esse tipo de situação. A floresta logo apareceu à frente, densa e escura, com uma entrada que eu não havia notado antes.

— É aqui — disse ele, apontando. — Obrigado pela carona... e pela preocupação.

Assenti, hesitante, sentindo que deixar ele ali era uma escolha estranha, mas parecia que eu não tinha muita escolha, e no jeito que ele olhou de relance para a mata me deu a sensação de que ele sabia exatamente onde estava indo. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ele desceu do carro, envolto na manta.

Observei enquanto ele desaparecia entre as árvores, a figura imersa no nevoeiro, como se ele fizesse parte daquele lugar. Isso me deixou a vagar em vários questionamentos. Como um rapaz tão bonito — sim, ele era muito, muito bonito — andava pela floresta seminu, e como foi parar na frente do meu carro. 

Eclipse de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora