Acordei nos braços de Kael, o calor dele ao meu lado trazendo uma sensação de segurança que eu não sabia que precisava. Ele se mexeu, os olhos castanhos se abrindo devagar.
— Você está bem? — ele perguntou com a voz ainda rouca de sono.
As memórias da noite anterior — o sonho terrível, o conforto que ele me ofereceu — ainda estavam frescas
— Sim. — eu apenas murmurei, sentindo-me grata ao perceber o quanto ele cuidou de mim.— Obrigada, por ter... ficado comigo.
Ele deu um sorriso tranquilo.
— Não precisa agradecer, é sempre um prazer ficar com você. — respondeu, com outro sorriso — E meus sentimentos não mudaram, Anne.
Sem saber o que responder, sorri de volta e o observei enquanto ele se levantava.
— O café da manhã está pronto em breve. Philips costuma ser pontual. — avisou ele, indo em direção à porta.
Kael saiu do quarto, deixando o silêncio e o vazio para trás, deixando-me a vagar pela noite anterior, um pouco confusa, mas de certa forma, consegui dormir.
Fiquei ali sozinha por alguns minutos, olhando o quarto ao redor. Kael tinha ficado comigo a noite inteira, e a calma que eu sentia era indescritível. No entanto, sabia que era melhor não me acostumar — uma coisa era ele ficar comigo em um momento de vulnerabilidade, outra era eu me entregar ao desejo de ter companhia constante, quando meu plano era deixar esta cidade o mais breve possível.
Depois de um banho rápido e de me arrumar, desci para o café. Philips e Kael já estavam sentados à mesa, e, ao me ver, Kael se levantou e puxou uma cadeira para mim. Fiquei um pouco surpresa com o gesto — não esperava encontrar algo tão cavalheiresco por ali, e fiquei pensando como aquele homem misterioso e reservado era também cuidadoso, atencioso, como alguém saído de outra época.
— Bom dia. — disse Philips, com seu habitual ar de serenidade.
— Bom dia. —eu sorri e respondi, sentindo que aquela manhã parecia um pouco mais leve do que as outras.
Kael estava ao meu lado, silencioso, mas seu olhar atento passava uma sensação de cumplicidade que me deixa curiosamente confortável.
Durante o café, a conversa fluía calmamente, quando Philips muda totalmente de assunto.
— Eu a ajudarei com a venda da casa. — Philips, em seu tom sempre sereno —mas que há coisas que você precisa entender antes, coisas que talvez a fizessem reconsiderar.
Pousei a xícara e o encarei, intrigada, perguntando o que exatamente eu deveria saber.
Philips me lançou aquele olhar que não deixava transparecer muita cosia.
— Teremos muito tempo para falar disso mais tarde. Aproveite o dia para relaxar, soube que sua noite foi agitada. E você vai precisar de energia em breve. — ele murmurou, com uma voz calma, mas que parecia carregar um peso incompreensível.
Aquelas palavras reverberou em mim, me deixando inquieta, mas o silêncio de Philips me fazia hesitar em pressioná-lo. Olhei para Kael, procurando alguma explicação, mas ele parecia tão confuso quanto eu, me encarando com uma expressão indefinida.
Kael, então, inclinou a cabeça e olhou para minha testa.
— Sua ferida está bem melhor — ele disse, parecendo surpreso.
Instintivamente, levei a mão à testa e senti apenas a pele lisa. Onde antes havia uma abertura dolorida, restava apenas um leve vestígio. Arregalei os olhos, me sentindo tão confusa quanto ele.
— O chá, que me ofereceu na noite anterior, tinha alguma propriedade medicinal ou curativa?—perguntei.
Kael balançou a cabeça.
— Não, Anne. Era só um chá comum, algo para ajudar no sono — respondeu ele, visivelmente intrigado.
Percebi que Philips, embora quieto, parecia estar acompanhando a conversa com uma certa atenção discreta. Quando o encarei, ele me lançou um olhar rápido e enigmático — um olhar que me fez sentir que ele sabia muito mais do que estava deixando transparecer.
Senti uma onda de inquietação se formando dentro de mim. Como podia a ferida ter praticamente desaparecido de um dia para o outro? E o que Philips parecia saber, mas não dizia?
— Anne, você já ficou doente alguma vez? Quebrou algum osso? Teve uma gripe, pelo menos? — Philips fez a pergunta de um jeito tão casual que, por um momento, pensei ter ouvido errado. Sua voz era neutra, mas havia uma leve preocupação no olhar.
Parei para pensar e, ao puxar pela memória, uma sensação esquisita me tomou. Nunca tive nada disso — nem mesmo uma simples febre. Era como se doenças fossem uma realidade distante, algo que via acontecer com os outros, mas nunca comigo. Franzi a testa, surpresa com a percepção repentina.
— Eu acho que nunca... fiquei doente. Nem ao menos tinha notado isso antes. — eu disse, ainda perplexa.
— E sua mãe, nunca comentou nada sobre isso com você? — Philips perguntou, agora claramente interessado.
Lembrei-me de minha mãe — tão reservada, quase como se vivesse num mundo próprio e fechado. Nunca discutimos nada assim.
—Ela era complicada... Nós não conversávamos sobre certas coisas — respondi.
Philips franziu a testa, considerando algo que preferiu guardar para si.
— Vá ao meu escritório mais tarde. Há algo que quero lhe mostrar. Mas, por agora, deixe isso para depois, Anne. Relaxe, aproveite o dia. Descubra mais sobre Willow Creek — disse ele, em um tom de voz que parecia menos um convite e mais um conselho.
Kael, percebendo o peso da conversa, interveio rapidamente.
— Vou te levar a um lugar — anunciou.
Aceitei o convite, fingindo entusiasmo, embora a conversa com Philips ainda rodopiasse na minha mente. Nunca ter ficado doente... Como eu nunca tinha notado algo assim?
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Eclipse de Sangue
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