Capítulo 7 ∞ Visões

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A noite estava envolta em um silêncio quase absoluto, um daqueles silêncios que só encontramos em lugares afastados. Tomei o sonífero, esperando que me desse algumas horas de paz sem a interferência dos sons da floresta ou de qualquer pensamento tumultuado. Em poucos minutos, o remédio fez efeito, e fui mergulhando naquele sono denso, quase sedado, sem perceber quando comecei a sonhar.

As imagens começaram devagar, quase como borrões. Logo, a floresta surgiu ao meu redor, com árvores enormes, imponentes, e um céu que era mais escuro do que qualquer outro que eu já tivesse visto. Havia uma aldeia, ou pelo menos o que parecia ser uma, com pessoas que dançavam ao redor de uma fogueira. Eles murmuravam palavras que eu não entendia, mas que reverberavam em mim como se fossem antigas e familiares, apesar de não fazer nenhum sentido.

De repente, uma presença me chamou a atenção. Vi um animal enorme, com olhos amarelos intensos e brilhantes, que me encarava de uma forma quase consciente. Meus pés estavam presos ao chão, como se não pudesse me mover, e o medo me invadiu, tão profundo que mal podia respirar. Mas antes que o animal se aproximasse, ele desapareceu, transformando-se em uma figura que corria, um homem de costas, em uma velocidade inacreditável, quase sobre-humana, deixando um rastro de sombras pelo caminho.

A cena escureceu, e por um momento, tudo era apenas negritude. Então, do meio da escuridão, surgiu um vulto. Alto, envolto em um capuz, uma sombra sinistra que parecia flutuar. Seu rosto estava escondido, mas a presença dele era sufocante, quase paralisante. Uma sensação de terror absoluto me percorreu. Foi então que acordei.

Meus olhos se abriram, mas o mundo ao meu redor estava distorcido, embaralhado. Cambaleei tentando sair da cama, mas minhas pernas não me obedeciam. Meu corpo estava pesado, e a visão turva. Forcei-me a focar, a respirar, mas as forças simplesmente me abandonaram. Em um último esforço, senti o chão abaixo de mim se aproximar, mas, no mesmo instante, mãos firmes me seguraram, envolvendo-me em um gesto cuidadoso e seguro.

De olhos fechados e quase sem forças, senti aquelas mãos me levantarem, carregando-me de volta para a cama. A presença era intensa e reconfortante, e, estranhamente, o toque familiar. "É só um sonho," pensei, convencida de que minha mente ainda estava presa àquele mundo de delírios.

Resignei-me, relaxei e afundei de novo no sono, que parecia continuar. A escuridão se dissipou, revelando a imagem de um medalhão que parecia flutuar no ar, envolto por uma aura suave, mas vibrante. Ele cintilava com uma luz vermelha intensa, e um símbolo intricado rodeava o cristal vermelho como uma moldura antiga, o tipo de ornamento que se espera ver em um objeto precioso e raro. Algo nele me atraía, uma familiaridade inexplicável, como se eu já o tivesse visto em algum lugar — ou talvez o tivesse segurado antes. Estendi minha mão, mas antes que pudesse tocar o cristal, ele se desvaneceu, dissolvendo-se no ar, como fumaça que desaparece no vento.

Desorientada, olhei ao redor, tentando entender onde estava. Foi quando percebi o peso em minha mão: um ramo de rosas vermelhas, suas pétalas frescas e vibrantes contrastando com o silêncio sombrio ao meu redor. Eu estava em um vestido preto, aveludado, que se moldava ao meu corpo como se tivesse sido feito sob medida. Parecia ter saído de uma outra época, com detalhes minuciosos e delicados. Toquei o tecido, que era frio, mas reconfortante.

O ar ao meu redor estava carregado de algo indescritível — não era apenas um sonho, mas uma espécie de lembrança intocável. Meu coração batia lento, quase hipnotizado, enquanto eu olhava para o vazio à minha frente. Foi então que percebi uma figura à distância, um vulto indistinto, mas familiar. Não conseguia ver seu rosto, mas sua presença era inconfundível. Ele exalava calma, como se o simples fato de estar ali fosse capaz de amenizar todo o meu medo e confusão.

Quis falar com ele, mas minha voz não saía, presa na garganta. Tudo que pude fazer foi estender minha mão em sua direção, esperando que ele viesse até mim. Ele hesitou, os contornos de seu rosto ainda perdidos na penumbra, mas sua figura parecia olhar para mim, como se quisesse dizer algo — algo importante, mas que eu não conseguia distinguir.

Quando ele começou a se afastar, senti um vazio se abrir dentro de mim, uma sensação de perda, como se estivesse deixando escapar algo vital, algo que eu precisava desesperadamente entender. Dei um passo à frente, segurando as rosas firmemente, mas meu corpo estava preso ao chão, incapaz de avançar. O que quer que fosse essa presença, não me assustava, pelo contrário: eu sentia uma paz inexplicável em sua proximidade, como se fôssemos partes de uma mesma história.

E antes que eu pudesse lutar contra o sonho, ele se dissolveu, me deixando na escuridão de novo, com apenas a lembrança daquelas rosas e a vaga sensação de que algo — ou alguém — estava me chamando para muito mais do que eu conseguia compreender.

Despertei, com uma sensação estranha, pensando no sonho igualmente estranho. Olhei para minhas mãos e notei um pequeno corte em um dedo, como se tivesse sido furado. Então, me lembrei que segurava um ramo de rosas vermelhas no sonho, dos espinhos que eu ignorei ao segurar fortemente. Era só um sonho, mas por que diabos eu tinha um corte daquele no dedo? Eu me machuquei enquanto dormia?

Levantei-me e fui até o banheiro. Olhei para meu reflexo no espelho e fiquei assim, me encarando nele, como se estivesse em algum transe. Eu estava extasiada, algo em mim parecia ter mudado e eu não conseguia entender o que era. 

Respirei fundo, tentando ignorar as emoções que insistiam em surgir. O cheiro de madeira antiga e o eco das memórias preenchiam a casa como um cobertor pesado. Era meu segundo dia aqui, e eu sabia que precisava focar na tarefa à frente: organizar as coisas da minha mãe. O desafio era imenso, mas eu precisava enfrentá-lo. A ideia de passar o dia separando o que poderia ser doado do que eu queria guardar me fez sentir um impulso de determinação.

Entrei no quarto dela, e o aroma suave de lavanda ainda pairava no ar, como se ela estivesse ali, me observando. Os móveis, cobertos com lençóis brancos, pareciam esconder histórias que clamavam para serem contadas. A cama de dossel, as prateleiras repletas de livros, cada pequeno objeto, tudo tinha um significado. Era hora de decidir o que ficaria e o que iria embora.

Comecei a abrindo as gavetas, depois as portas do armário. Havia um baú no canto do quarto e o abri. Encontrei vestidos, objetos, livros e cadernos. Mais cadernos de anotações, por sinal. Observei portas e gavetas abertas e supirei. "Vou precisar de um café bem forte antes", pensei.

Conforme a manhã se arrastava, fui encontrando um equilíbrio entre a dor e a aceitação. Cada item que separava para doação parecia liberar um pouco do peso que eu carregava. As coisas podiam deixar a casa, mas as memórias permaneceriam intactas. Ao olhar ao redor, o quarto agora estava cheio de caixas e pilhas organizadas. A tarefa não havia sido fácil, mas eu me sentia mais leve.

Foi então que, ao organizar as últimas coisas, senti uma presença. Meu coração acelerou, e uma onda de curiosidade me invadiu. Era como se o ar estivesse vibrando com uma energia familiar, algo que me atraía, mesmo em meio à minha dor. Tentei ignorar, mas a sensação de estar sendo observada não desaparecia. Respirei fundo, resignada. O que quer que fosse, eu enfrentaria depois. Primeiro, havia ainda muito trabalho a fazer.

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