Laços Tensionados

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O relógio marcava três da manhã, e o silêncio na casa era cortante. Sentada na beira da cama, Wednesday Addams passava os dedos com impaciência sobre as coxas, suas unhas curtas arranhando o tecido da calça. Seus olhos estavam fixos na escuridão à sua frente, mas sua mente corria em outro lugar, imaginando o som doce de ossos quebrando, de súplicas sendo sufocadas. Era o único pensamento que a acalmava — ou que costumava acalmar.

Agora, ela estava presa. Não apenas pelo corpo que mudava, pelo fardo indesejado crescendo dentro dela, mas também pela constante presença de Enid. O relacionamento, antes carregado de uma curiosa admiração mútua, agora era sufocante. A gravidez não havia sido uma escolha, e isso corroía a cada dia mais o humor de Wednesday. Para ela, ser mãe era uma ideia tão absurda quanto abandonar seus instintos sombrios.

Ao lado dela, Enid dormia em um sono inquieto. Mesmo inconsciente, seus dedos ainda procuravam os de Wednesday, como se tentasse mantê-la perto, segura. Mas aquela proximidade se tornara insuportável.

A abstinência do sangue, da dor, do caos, transformava Wednesday em uma bomba prestes a explodir. A cada dia, as discussões entre elas ficavam mais frequentes e mais frias.

"Você está diferente," Enid havia dito na noite anterior, com aquele tom gentil que Wednesday agora desprezava. "Eu só... queria que a gente pudesse falar sobre isso."

Mas falar sobre isso? Sobre como Enid insistia em agir como se a gravidez fosse algo belo, algo a ser celebrado? Sobre como ela parecia acreditar que, de algum modo, esse processo pudesse "salvar" Wednesday de quem ela era? Enid não entendia. Não podia entender. Esse laço forçado entre elas crescia como um tumor, algo maligno, e Wednesday o sentia cada vez mais pesado.

Ela se levantou da cama, movendo-se silenciosamente pelo quarto. Cada passo ecoava como um lembrete de sua prisão. Ela odiava o que estava se tornando, odiava estar vulnerável, estar conectada a algo que não escolhera.

Mas mais que isso, odiava a doçura de Enid. Ela sentia que, a cada dia, Enid a observava com mais carinho, como se a gravidez tivesse transformado Wednesday em uma versão melhor de si mesma. E isso a deixava enojada.

Seus dedos tremiam, a vontade de machucar, de sentir o controle de volta, pulsando em suas veias. Ela sabia que não poderia fazer nada, não enquanto carregava aquele fardo. Mas a ideia de encontrar uma saída para seus impulsos sombrios já começava a tomar forma em sua mente. E, desta vez, talvez Enid fosse finalmente perceber que não se pode domar uma tempestade.

Wednesday caminhou pelo corredor silencioso, sentindo o frio do chão sob seus pés descalços. Cada passo parecia ecoar o peso de sua frustração crescente. Parou em frente ao espelho no fim do corredor, seu reflexo mal iluminado pelas luzes da rua. A imagem que via à sua frente a irritava. Seus olhos, normalmente calculistas e frios, pareciam cansados, e sua postura rígida, agora, tinha um toque de vulnerabilidade que ela desprezava. O corpo, antes ágil e mortal, agora era uma prisão.

Seus dedos se apertaram contra a borda do espelho, o som da unha raspando o vidro sendo um raro alívio naquele momento. A abstinência estava corroendo sua paciência. O tempo passava e ela não podia caçar, não podia satisfazer seus impulsos mais sombrios. Era como se estivesse sendo drenada lentamente, sem ter controle. E pior, Enid estava ali, o tempo todo, com seu otimismo irritante, como se a situação pudesse ser contornada com palavras doces e apoio constante.

Voltou-se para a sala, deixando o espelho para trás. Ao descer as escadas, seus pensamentos giravam como uma tempestade. Cada canto daquela casa, cada som, cada sombra, parecia lembrar-lhe de sua impotência. A gravidez era uma âncora, e Enid parecia ignorar o fato de que aquilo não era algo desejado. Não por Wednesday.

Cárcere Doméstico - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora