Pov: Wednesday
O porão estava quieto, como se o próprio espaço tivesse se adaptado ao caos que nele habitava. A cada respiração, eu sentia a presença da criança, não como algo que eu carregava, mas como uma entidade separada, observando, julgando. A lâmina da faca refletia o fraco brilho das lâmpadas amareladas, o sangue já seco de outras noites ainda manchando seu gume. Meus dedos percorreram a lâmina com familiaridade, sentindo o frio do metal, e uma calma perturbadora se instalou.
Eu sou sempre meticulosa, controlada. Mas recentemente, esse controle tem me escapado. Antes, a tortura era metódica, uma obra-prima cuidadosamente criada. Agora... agora é algo mais visceral, mais urgente. Como se eu precisasse rasgar o mundo ao meu redor, parte por parte, para entender o que está acontecendo dentro de mim.
Aquela garota, a vítima de hoje, chorava baixinho, uma sombra do que era antes, quando gritava e se debatia contra as correntes. Que patético. O sangue escorria em pequenos rios de seu corpo, mas eu já não estava mais tão fascinada com o resultado. Havia algo errado. Eu estava diferente.
As alucinações vinham com mais frequência. Não que fossem um problema, mas... havia algo de novo, algo que eu não reconhecia. Meus olhos focavam na mulher amarrada à minha frente, mas minha mente... Minha mente via outra coisa. A cada corte, a cada grito abafado, era como se as bordas da realidade se distorcessem, e por um segundo... eu não via mais a mulher. Via Enid.
Minha mão parou no ar. Eu pisquei, o suor frio descendo pela minha nuca. As alucinações sempre foram uma parte de mim, mas isso... Enid, envolta em sangue, com os mesmos olhos grandes e gentis, agora cheios de pavor. Um tremor percorreu minha espinha. Isso era novo. Isso era... impossível.
— Ela está me mudando. — sussurrei, sentindo uma pressão crescente na minha cabeça, como se as paredes do porão estivessem se fechando ao meu redor. — Esse bebê... essa coisa dentro de mim.
Eu sabia que estava perdendo o controle, mas parte de mim estava fascinada. Era como se, ao mesmo tempo que algo escapava pelas minhas mãos, outra parte, uma parte muito mais sombria, estivesse crescendo.
— Você está tirando isso de mim. — murmurei, encarando a barriga que começava a pesar mais a cada dia.
Meus pensamentos foram interrompidos pelo som da porta do porão se abrindo. O som familiar dos passos de Enid. Voltei à realidade em um instante, a faca ainda em minha mão, o corpo da mulher diante de mim. Enid sabia o que esperar quando descia aquelas escadas, mas... será que ela sabia o que realmente se passava na minha mente?
Com um último olhar para a vítima, levantei-me, limpando a lâmina em um trapo ensanguentado. Não era o sangue que me preocupava. Não era o fato de Enid estar vendo tudo isso. Era a dúvida que começava a se instalar em mim, uma dúvida que nunca existiu antes.
Enquanto eu limpava a lâmina, o som dos passos de Enid ecoava nas escadas. Ela descia com a leveza habitual, mas havia um ritmo, uma hesitação que eu comecei a notar recentemente. Enid nunca teve medo de mim, ela me aceitou por completo, com tudo que sou, ou pelo menos, com o que eu costumava ser. Agora, a sombra da dúvida pesava nas suas interações.
A porta do porão rangeu suavemente, e ela entrou, seus olhos se adaptando à meia-luz. Ela não olhou diretamente para a mulher ensanguentada na cadeira; ela raramente o fazia. Em vez disso, seus olhos pousaram sobre mim, como se eu fosse o centro de tudo o que importava naquele espaço macabro. Talvez eu fosse.
— Jantar está pronto. — ela disse suavemente, como se aquilo fosse normal, como se o cheiro de sangue e a visão dos restos humanos ao redor fossem tão banais quanto preparar uma refeição.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Cárcere Doméstico - Wenclair
FanficHá segredos sombrios que apenas duas pessoas podem compartilhar. Grávida, Wednesday Addams tenta conter sua natureza obscura, mas a abstinência começa a distorcer sua realidade. Enid Sinclair, sua esposa dedicada, está disposta a fazer qualquer cois...