Sementes de Sombras

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Pov: Wednesday.

A noite envolvia a casa em um manto de escuridão, a única luz vindo de uma lâmpada pendente no porão, onde os ecos do último "jogo" ainda reverberavam em minha mente. O cheiro metálico de sangue permanecia impregnado nas paredes, misturado ao aroma de flores que Enid insistia em deixar em cada canto da casa. Eu não precisava de flores; a beleza era um luxo que eu não podia me permitir, mas a presença delas era um lembrete constante da fragilidade da vida — e eu não tinha interesse em fragilidades.

Sentada em um canto do porão, os olhos fixos no chão manchado, as memórias da garota que tentara escapar ainda dançavam em minha mente. Seu grito desesperado, a luta frenética para se libertar, e o som seco de seu corpo atingindo a parede. Eu não a matara; ela era uma experiência, uma forma de canalizar a frustração que se acumulava em mim, um eco de uma natureza que não conseguia silenciar. Eu a observei se contorcer, e em seu desespero, algo em mim despertou.

Aquela sensação de controle, de poder absoluto, era embriagante. No entanto, cada batida de meu coração ressoava com a lembrança de Enid — seu olhar preocupado, a preocupação disfarçada de amor. Ela queria que eu fosse alguém melhor, alguém que pudesse gerar uma criança e não ser uma criadora de monstros. Mas o que Enid não entendia era que a criança não seria uma fragilidade. Ela seria uma extensão de mim, e o mundo que a aguardava não era feito de amor e luz; era um abismo de trevas que exigia preparação.

— Eu moldarei você. — sussurrei para a escuridão do porão, como se a criança já pudesse me ouvir. — Você será forte, como eu. Não haverá espaço para fraqueza.

A ideia de dar à luz uma versão de mim mesma era simultaneamente aterrorizante e intrigante. Eu imaginava os traços que poderia lhe transmitir — a mente afiada, a astúcia que me permitia ver além das aparências. Mas, mais importante, a habilidade de não sentir remorso. Essa criança, meu legado, aprenderia a sobreviver em um mundo que não tem compaixão.

O silêncio do porão foi interrompido por um leve estalo, como se a casa estivesse respirando. Uma sensação de euforia crescente enchia meu peito. Eu poderia construir uma nova realidade, criar um ser que não apenas existisse, mas que fosse temido, respeitado. O passado me ensinara que a bondade era um veneno, e a criança que estava crescendo em meu ventre não seria uma vítima desse veneno.

— Você será uma força a ser reconhecida.

Senti a vontade de rir, uma risada profunda e sombria que se formava em minha garganta. O poder do controle era meu e, em breve, seria dela. O que eu não percebia era que essa visão distorcida de maternidade já começava a moldar minha própria mente. Cada pensamento, cada plano de ação, estava se entrelaçando com a escuridão que eu conhecia tão bem.

Meus pensamentos flutuaram de volta para a noite anterior, quando a garota tinha implorado por misericórdia. O desespero em seus olhos era algo que eu conhecia intimamente. Eu tinha sido a garota uma vez, cercada por incertezas e fragilidades. O que me tornara forte não fora a compaixão, mas a dor e o desejo de controlar o que não podia. E agora, essa fragilidade seria uma lição, não apenas para mim, mas para a criança que eu carregava.

— Vamos juntas. — murmurei, me levantando lentamente, como se a criança pudesse ouvir minha voz. — Eu te guiarei. Aprenderemos juntas.

Enquanto caminhava pelo porão, a sensação de poder continuava a crescer. A escuridão ao meu redor parecia dançar, cada sombra parecendo viva, quase sussurrando segredos. A casa se tornara um santuário de pensamentos malignos e ambições perigosas, e eu estava preparada para abraçar tudo isso. A noite estava apenas começando, e o que estava por vir poderia muito bem ser um novo começo.

Cárcere Doméstico - WenclairOnde histórias criam vida. Descubra agora