Prólogo

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Não entendo como o meu aniversário de 18 anos é tão importante para minha mãe. Ao meu ver, é só uma idade como outra qualquer. As pessoas depositam todo o peso do compromisso com a fase adulta. Ser alguém e, nesse ínterim, se transformar numa criatura capaz de servir como um cassino para outras pessoas que vivem a te explorar.

Confesso que não estou animado com a ideia de "virar um homem respeitável", como meus pais insistem em me relembrar. Eu só quero continuar participando dos espetáculos de teatro na sala escura do São Sebastião. É lá que eu conecto e reconecto com o que me impulsiona para frente, que me faz ter vontade de acordar depois de uma noite maldormida e cheia de pesadelos insistentes. Fora isso, nada mais me motiva. Tem hora que só me dá vontade de parar no tempo e esquecer que os anos se passam, pessoas vão embora e eu troco de pele sem entender direito o que ficou no lugar.

Minha mãe, que usava um longo vestido azul marinho que cobria praticamente todo o corpo, insistiu em comemorar os meus dezoito anos no jardim do quintal que mais parece um santuário cheio de flores com formas e cores diferentes. À noite, aquele lugar parece relativamente sombrio. Parece que as ramificações das plantas não permitem que a luz tome conta do ambiente em que o verde musco predomina. Para contornar o problema, ela comprou uns leds que, confesso, deram uma estética digna de filme oitentista. 

Mimetiza uma felicidade que não estava ali realmente, mas a vida tende a ser uma grande performance às vezes e, naquele momento, eu era o protagonista – e isso é uma premissa que me deixa confortável. É como precisa ser. Afinal, o palco e a vida sempre foram tão interligados para mim. Não consigo ser sem performar e, em alguns momentos, até confundo uma coisa com a outra.

As minhas pessoas estavam ali, enveredadas em luzes tremeluzidas e flores cintilantes, para prestigiar o ciclo dos temidos dezoito anos que hão de me assombrar por um longo tempo. Cecília, minha melhor amiga de longa data, parecia ansiosa para que eu apagasse as velas logo e fazia coro junto à minha mãe com palmas exasperadas. Meu pai e Renato, seu grande melhor amigo que mais parece ter sido roteirizado pelo meu diretor favorito, estavam cochichando alguma coisa – possivelmente sobre o trabalho e do projeto que estão implementando para a empresa que sistemas de segurança que trabalham juntos. 

Quase ao meu lado, Lúcia segurava a minha mão de maneira delicada e suave. Seu olhar não se desgrudava de mim; conseguia notar isso pela minha visão panorâmica que é, deveras, bem apurada. Mais do que uma tia, Lúcia é quem eu posso contar quando ninguém mais está perto de mim, especialmente desde que minha avó deu adeus à vida sem se despedir. Não consigo mais passar um dia sequer sem telefonar para a Lu e contar tudo o que aconteceu na colégio, mas tento me controlar, pois sei a rotina pesada que ela tem nos plantões como pediatra. 

Cecília já chegou a ficar chateada por eu segredar mais coisas com a minha tia do que com ela. É mais forte do que eu. Passei a ver a Lu como um complemento de mim mesmo. Sou o que sou hoje, porque eu pude tê-la como minha principal referência nos últimos cinco anos que ficamos mais próximos. É bom estar ao lado dela. Isso faz com que aquela noite tenha ao menos algum significado para mim.

— Não sei você, Miguel, mas esse bolo tá com uma cara muito boa e eu guardei um espaço especialmente para ele. Seja um bom menino e atenda ao pedido da sua mãe. — Rompeu Lilian, minha professora de artes e uma das poucas pessoas que apoiam a minha carreira como ator. Ela está acompanhada de sua esposa, Maria, que sempre tem um semblante carrancudo, mesmo sendo incrivelmente carismática e amistosa com qualquer pessoa.

— Sim, já está na hora: 1... 2... 3...! E não esquece de fazer o pedido! É um momento muito importante para a sua vida, meu filho. 18 é um número altamente espiritual e está pronto para te ouvir. Peça coisas boas que as energias virão em sua direção. Não é bobagem! Eu estudei isso na semana passada. Estou ficando muito boa com numerologia e as pessoas subestimam o poder que os algarismos realmente possuem. São estáticos, imutáveis e imensos em si, mas cheios de significados subjetivos que demarcam o espaço-tempo.

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