18. Em outra vida

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A sala de terapia estava imersa em um silêncio pesado, quase opressor. As paredes cinzas pareciam absorver a tensão do ambiente, e a luz fraca do abajur ao canto fazia as sombras dançarem de forma quase fantasmagórica. Era minha terceira sessão com a Dra. Mônica desde o sequestro de Isa, mas aquela em particular parecia carregar um peso a mais. Eu me sentia como se tivesse uma âncora presa ao peito, cada palavra que ela me incentivava a dizer parecia arrastar algo escuro, profundo e doloroso à tona.

Eu olhei para o chão, incapaz de encarar o olhar atento e cuidadoso dela, enquanto mexia os dedos nervosamente. Respirava fundo, mas o ar parecia se recusar a preencher completamente meus pulmões.

– Você já compartilhou algumas das coisas que viveu naquele dia, mas sinto que ainda há algo mais – começou Dra. Mônica, numa voz suave, mas firme. – Existe uma dor guardada aí dentro, Yuri. Algo que você ainda não falou, mas que continua te atormentando. Você está pronto para falar sobre isso?

As palavras dela ecoaram na minha mente, penetrando fundo, como se soubessem exatamente onde doía mais. Eu sentia uma pontada no peito, uma mistura de tristeza e culpa tão intensas que me fazia querer sair correndo dali, como se fugir pudesse me livrar da dor. Mas não podia continuar fugindo. Eu precisava enfrentar aquilo. Eu devia isso a Robinho.

Respirei fundo e olhei para o rosto dela, vendo a paciência e a compaixão nos seus olhos. A expressão dela me encorajou, mas ainda assim, as palavras saíram arrastadas, trêmulas.

– Depois que resgatamos Isa, eu... eu nunca achei que as coisas fossem terminar daquele jeito – comecei, a voz embargada. – Quando Robinho foi embora, eu... eu ainda estava chocado. O que aconteceu com Samuel, o sangue, tudo aquilo ainda parecia tão irreal. Mas... – parei, tentando segurar as lágrimas que já ameaçavam escorrer - Eu e Erick brigamos pois ele achou que eu deveria ter chamado ele e não Robinho para me ajudar. Acho que no fundo ele até estava certo, mas eu queria resolver aquilo, sabe?

Ela me olhava com compreensão e um leve aceno me encorajou a continuar. Era como se ela dissesse que eu poderia ir com calma, que estava ali para ouvir e que cada palavra que saísse, por mais difícil que fosse, seria acolhida.

– Acontece que... Naquele mesmo dia – falei, a voz quase sumindo –, o Físico invadiu o morro. Aquele era um território marcado, e eu deveria ter previsto que algo aconteceria. Mas... eu não pensei. Robinho só tinha pedido ajuda ao Físico por minha culpa– senti minha garganta apertar, como se cada palavra fosse um golpe direto ao coração. – Ele só pediu porque me ajudou a salvar Isa. Se ele não tivesse ido comigo, talvez... talvez estivesse vivo agora.

Eu senti um soluço subir, mas me esforcei para engoli-lo, sentindo as unhas cravando na palma das mãos enquanto me lembrava da cena com uma nitidez assustadora. Era quase como se eu estivesse revivendo aquilo, cada detalhe, cada sensação. O telefone tocando, a mensagem que recebi... a notícia de que Robinho tinha sido baleado.

– Me contaram que... ele estava tentando sair do morro quando tudo aconteceu, ele encontrou um dos meninos e disse que voltaria pra falar comigo, que ele precisava falar comigo – sussurrei, a voz trêmula. – Me disse que ele... Ele estava... desistindo dessa vida, e eu... eu me sinto tão... – a voz falhou e deixei a cabeça cair entre as mãos, o peso da culpa e do arrependimento esmagando cada pedaço de mim.

A Dra. Mônica me observava atentamente, mas não interrompeu. Deixou-me absorver aquele momento, enquanto eu tentava recolher cada pedaço da minha força para continuar.

– E Erick... – continuei, quase num sussurro. – Desde que tudo aconteceu, eu... eu não consigo mais ser o mesmo com ele. Toda vez que olho para ele, sinto que estou traindo a memória de Robinho. Porque, no fundo... no fundo, eu sabia. Eu sabia que tinha algo entre nós dois, desde a infância, algo que nunca tivemos coragem de nomear. Uma parte de mim... se apaixonou por ele.

Apaixonado pelo perigoOnde histórias criam vida. Descubra agora