Capítulo 10

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Algumas horas mais tarde, pouco antes do pôr do sol, chegamos aos arredores de um pequeno vilarejo, onde eu planejara passar a noite. A autoestrada estava tão deserta quanto estivera durante o dia, mas alguns vestígios da presença humana já podiam ser vislumbrados:choupos - brancos que protegiam algumas hortas contra o vento, um aglomerado de cabanas isoladas e cercas de arame farpado para guardar não sei quantos carneiros.

Ao contrário dos crepúsculos no asteróide do Jovem Príncipe, os crepúsculos na Patagônia são longos e tranquilos. Metade do céu se tinge com um amplo espectro de tons róseos, lilases e violeta.
Naquela noite, o pôr do sol estava tão bonito que acordei o Jovem Príncipe para que ele pudesse assistir.

- Olhe quanta beleza! - disse eu, apontando para o horizonte.

Por um segundo, desviei meus olhos da estrada.

- Cuidado! - gritou ele, mas foi tarde demais.

Ouvi uma batida seca contra o para choque e o carro deu um solavanco. Quando pisei no freio, pude ver pelo espelho retrovisor um animal branco estendido na estrada, possivelmente um pequeno carneiro. Quando paramos, fui até a frente do carro para avaliar o prejuízo. O Jovem Príncipe olhou para mim como se não me entendesse o que eu estava fazendo e caminhou na direção oposta. Supondo que ele pretendia ajudar o animal atingindo, eu disse:

- Não adianta nem tentar. Depois de um impacto desses, ele já deve estar morto. Não há nada que se possa fazer.

Mas enquanto corria em direção ao amontoado branco, ele gritou :

- Hoje você me ensinou que sempre podemos fazer alguma coisa, mesmo quando nem nós mesmos acreditamos.

Enquanto eu verificava que o único dano aparentemente era um amassado no parachoque, suas palavras reverberam em meus ouvidos. O Jovem Príncipe me fez pensar, pelo menos por um momento, que meu coração, era mais duro que o parachoque de metal que, embora frio, tivera a misericórdia de ceder um pouco.

Sentindo - me um tanto culpado após a repreensão do jovem, me aproximei dele. Enquanto caminhava em sua direção, pude ver que ele colocara no colo a cabeça de um enorme cão branco que abraçava e afagava. Era uma cena de grande ternura, apesar dos tremores do animal moribundo.

Levantei os olhos e vi um homem corpulento sair de uma cabana nas proximidades e caminhar em nossa direção, com o rosto sombrio e a postura ameaçadora ; provavelmente, era o dono do cão. Para evitar uma discussão inútil, achei que o mais prudente seria bater em retirada. Disse então a meu jovem amigo que era melhor irmos andando. Mas ele não se mexeu; continuou a afagar o aterrorizado animal, que obviamente agonizava. O homem se aproximou de nós, com um olhar furioso estampado no rosto. Percebendo o perigo em potencial , concluí que seria melhor lhe oferecer algum tipo de compensação. Quando ele chegou ao nosso lado, tirei a carteira do bolso, murmurando algumas palavras de desculpa. Mas, com um gesto de desagrado, ele sinalizou que eu não deveria me mover. Durante alguns penosos minutos permanecemos em silêncio. Até hoje, depois de tanto tempo, a imagem daquele cão permanece gravada em minha memória. Meu amigo tinha razão. Sim, é claro que podíamos fazer alguma coisa, e como fez diferença! Enquanto o Jovem Príncipe fitava amorosamente seus olhos, o grande animal branco começou a perder o medo, pois já não se sentia só. Tive a sensação de que o homem de aparência rústica também percebeu a mudança. Em seus últimos momentos, o cão olhou para nós, como eu e agradecendo. Fechou então o olho esquerdo, depois o direito. Finalmente estremeceu, apenas uma vez, e ficou imóvel.

O jovem continuou a acarinhá-lo por mais alguns minutos. Quando ficou claro que a vida do animal se esvaíra totalmente, ele olhou pela primeira vez para o homem, com os olhos cheios de lágrimas. Com. Inesperada ternura, o homem deu umas palmadinhas em sua cabeça dourada. Depois o afastou gentilmente e ergue o cachorro morto.

- Venha comigo - disse, começando a caminhar de volta para cabana.

Quando fiz menção de que iria o seguir, ele me deteve.

- Você não, só o garoto.
Então, como que para me tranquilizar, acrescentou :

- Não se preocupe. Nós vamos tratar de coisas que não tem preço.

O Retorno Do Jovem PríncipeOnde histórias criam vida. Descubra agora