Alcançamos os arredores da cidade onde meus amigos estavam à minha espera. Mas ninguém estaria esperando o Jovem Príncipe - Agora nem mesmo em seu próprio planeta. O pensamento me entristeceu. Convidei-o então a me acompanhar.
- A vida tem sido generosa comigo - disse eu -, e eu gostaria de te ajudar enquanto você precisar.
- Obrigado - disse ele -, mas você já fez tanto...
Justamente naquele momento, próximo ao centro da cidade, paramos em um sinal de trânsito. Um mendigo se aproximou do carro e estendeu a palma da mão em nossa direção. Quando o Jovem Príncipe abaixou o vidro da janela, sentimos um forte odor de álcool.
- Você tem dinheiro? - perguntou meu jovem amigo.
- Acho que estou sem trocado - respondi.
- Então me dê o que você tem - insistiu ele.
- Você tem certeza? - perguntei em tom de dúvida, enquanto tentava puxar minha carteira presa no bolso traseiro de minhas calças. - Ele vai gastar tudo em bebida.
O sinal abriu e o carro atrás de nós sinalizou para nos movêssemos, com o mendigo ainda debruçado na janela.
- Vá para o lado e deixe o carro passar. - pediu meu amigo.
Descobri então, mais uma vez, que era impossivel resistir a seus apelos; era como se viessem direto do coração.
- Ainda há pouco você me disse que devemos doar sem olhar a quem. Bem, eis um homem pedindo ajuda.
- Eu não creio que, neste caso, dinheiro resolverá os problemas dele - disse eu, embora geralmente eu tente ajudar sem pensar no assunto.
- Talvez o vinho sirva para diminuí-los - disse o Jovem Príncipe - A não ser que você queira ouvir a história dele; só assim vai saber como pode ajudar. Sabe de uma coisa? - disse ele subitamente, como se iluminado por um novo pensamento. - Acho que é ótima ideia. Vou passar a noite aqui. Talvez eu possa fazer alguma coisa por ele. Se não puder, um pouco de atenção e companhia não farão mal nenhum.
- Mas você não pode simplesmente ficar aqui, na calçada, sem saber quem é esse homem...
O Jovem Príncipe interrompeu minhas objeções.
- Não se esqueça que três dias atrás eu também estava à beira de uma estrada e você me ajudou. Qual é a diferença? Nossa aparência? Voce também disse que não devemos nos guiar pelas aparências. Você fez sua boa ação, deixe que eu faça a minha. Vá se encontrar com seus amigos que querem sua companhia. Eu posso ser mais útil aqui.
Como se o pensamento tivesse acabado de lhe ocorrer, ele acrescentou:
- Volte amanhã, ao nascer do dia. Eu gostaria de dizer adeus.
Com essas palavras, fechou a porta do carro e foi sentar ao lado do mendigo. Como eu hesitava em me afastar, resistindo à ideia de deixá=lo ali, ele gesticulou para que eu partisse.
Não consegui parar de pensar no meu jovem amigo, nem nas circunstancias em que nos separáramos. A possibilidade de que ele pudesse entabular uma conversa significativa com o mendigo era remota, pois quando alguém escolhe o caminho da autodestruição é muito difícil fazer com que retroceda. Era possível até que o homem reagisse com violência a qualquer tentativa de ajuda. Mas aquele jovem de coração puro e sorriso transparente poderia conseguir o impossível, se é que havia alguma coisa impossível para ele. No entanto, sentado à esquina, com o boné virado ao contrário, ele parecia mais um adolescente sem teto.
Durante a festa, enquanto eu compartilhava o alegre momento com meus amigos, a imagem do Jovem Príncipe desapareceu, como um espinho cravado em nossa pele deixa de doer.
Quando fui dormir, porém, não pude deixar de comparar minha cama quente e macia com a calçada fria e dura. Por alguns instantes, estive tentado a ir buscá-lo. Cheguei a deixar o quarto, mas algo me recomendou que não o desobedecesse. Abri a janela. Era uma agradável noite de primavera, embora a brisa estivesse um tanto fria. A estrela da manhã estava quase tão brilhante quanto a lua. Uma vez mais me maravilhei com o céu estrelado da Patagônia, que nunca deixa de deslumbrar mesmo os que sempre o contemplam...