Capítulo 5

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Durante algum tempo, permanecemos absortos, contemplando a imensidão da Patagônia. Um vento persistente soprava dos cones truncados das montanhas, parando para um breve repouso nas noites verdes. A distância, uma língua vermelha de notros ( Árvore característica da parte austral da América do Sul, cujas flores são vermelhas) parecia abrir caminho em uma encosta de pinheiros. Uma ideia estranha me ocorreu, e eu decidi expressá-la em voz alta.

- Talvez o universo tenha sido criado por um espírito superior, baseado em sua própria imagem, com o propósito de conhecer e vivenciar a si mesmo.

O jovem não pareceu surpreso com a sugestão.

- O que as pessoas neste planeta fazem? Elas são livres ou têm de permanecer na estrada? - perguntou.

- Do modo como eu vejo as coisas - respondi - , viver é aprender. Tudo o que acontece tem um significado para quem o vivencia. Quanto mais consciente nos tornamos, melhor extraímos o significado inerente às coisas que acontecem conosco. ÀS vezes a dor e a doença que rejeitamos são as situações que podem nos oferecer a maior quantidade de informações. O destino sempre encontra um meio de nos ensinar que aquilo que nos dá mais resistência é aquilo que menos queremos aceitar.

- O destino é o caminho de cada pessoa? Elas podem mudar seu destino? - perguntou o jovem, cada vez mais confuso.

- Sim - respondi laconicamente, sabendo que nas bibliotecas do meu planeta existem milhares de volumes que tentam, em vão, responder à pergunta dele de forma categórica.

Como o jovem continuava a me olhar com ar aturdido, recorri a uma metáfora.

- Pense em você mesmo como um rio que deve avançar a qualquer custo. Você procura evitar as montanhas, tentando descobrir o caminho de menor resistência. As dificuldades - prossegui. - são como as pedras que encontra no caminho. Se você as arrasta consigo, elas acabam formando um dique que vai barrar seu caminho. Mas se você souber superar cada uma delas conforme forem aparecendo, seu fluxo vai ser constante e suas águas, cristalinas, como se a fricção nas pedras aumentasse seu brilho. Você pode se sentir culpado, indigno de tanto brilho; então vai encontrar lama, para turvar suas águas. Você pode se tornar preguiçoso e ficar pelas planícies, até se extraviar em meio aos pântanos. Você pode se tornar intrépido demais e virar uma cachoeira num precipício, ou entrar em cânions tortuosos onde acabará se perdendo. Você pode endurecer sua alma até suas águas se transformarem em gelo, ou pode se evaporar nas carícias do deserto.

- Se eu fosse um rio não iria querer meu congelar ou morrer no deserto - disse o jovem.

- Neste caso, deseje ser puro e você será transparente; imagine que é generoso e fertilizará os campos; renove a si mesmo e sua limpidez matará a sede das pessoas; estabeleça uma meta e alcançará se destino; acredite que é um guia e irá liderar os outros; sonhe que é um espírito e acordará para uma vida nova.

Parei de falar e, no silêncio, nossos olhos percorreram as planícies inóspitas antes de se erguerem e contemplarem a cordilheira à frente, azulada e fantasmagórica.

O Retorno Do Jovem PríncipeOnde histórias criam vida. Descubra agora