30 - A esperança é a última que morre.
ANTONIO
Eu esperei tanto por isso. Pensei que assim que o meu pai acordasse, o mundo voltaria a funcionar como deveria. Algo dentro de mim ainda estava apegado nas certezas do passado. Antes de toda essa loucura começar. Mas receio que não seja dessa forma.
- Me tire logo daqui, Antonio. — elas ainda ecoam na minha mente.
Tratamos logo de toda a documentação da sua alta, e pela madrugada já estávamos a caminho da mansão. Ele não quis mais conversar comigo, e eu tentei entender que ele precisava de um tempo para organizar os próprios pensamentos. — Mesmo que os meus estejam ficando cada vez mais insanos. Como que eu vou me controlar, tendo tanto a perguntar? — Mas penso também nas palavras do médico, de não o forçar a lembrar de tudo agora.
Assim que chegamos, em vez do corredor do seu escritório, ele entra corredor em direção aos quartos. Ele parou ao ver seu amigo, e foi até ele.
- Reúna todos os homens do Conselho, para uma reunião amanhã às 15h. — confiou a missão ao seu consiegle, antes de subir as escadas.
Falou apenas com Ângelo, e depois pediu para que ninguém o incomode. A falta de clareza, me faz imaginar tudo ainda pior. Respiro fundo, e tento ver o lado positivo. Ao menos agora sei que ele está acordado, e logo estará novamente a frente de tudo.
Eu não faria parte da reunião? Por que ele não fala comigo? Foi tão complexo estar em seu lugar, ainda mais por saber que ele está vivo. Ainda é muito cedo para eu assumir a frente de tudo, e espero que o meu velho viva por mais uns bons anos ainda. Queria poder conversar com ele sobre isso.
Pensei que o ver retornar, me faria respirar aliviado. Mas ele nem se importa que o mundo esteja pegando fogo. Será que ele entende o que aconteceu com ele? Ou ele está vivendo ainda uma coma acordado?
- Fica calmo, Antonio. — repito em mantra, a mim mesmo.
Ele é o homem mais respeitado que já conheci, confio que irá voltar a ter pulsos firmes. Estive sem chão durante todo esse tempo, e não posso aceitar que ele já não seja mais o mesmo. Ao longo dos últimos anos, nos afastamos muito. Hoje eu entendo que a posição que ele assumiu, acabou sugando a própria personalidade dele. Estar na liderança da organização, é lembrar diariamente que existem muitas vidas que dependem da sua sabedoria e ousadia. Mas como todo ser humano, as vezes também sentimos medo. Não que tenhamos o direito de sentir. Sentir nos torna vulneráveis. Sentir é algo que precisa estar fora de cogitação. O que também é bom, às vezes. Acaba sendo uma boa desculpa para deixar o vazio dominar.
Passo a manhã toda analisando novos contratos, e aprovando acordos. Deixei tudo para a ultima hora, na esperança que meu pai retornasse. Agora que caiu a fica de que as coisas irão no ritmo dele, resolvi entrar de cabeça nos negócios. Estive esse tempo todo focando apenas em descobrir a cama de gato que estão armando por nossas costas. Mas a verdade é que existe inúmeros acordos e propostas a serem analisadas, aceitas, negadas, renegociadas. A organização esteve em stand-by por esse tempo, mas ja perdemos muito dinheiro com isso.
Mais tarde, enquanto me escondo em meu escritório, recebo a visita do meu amigo. Mas me arrependo de o deixar entrar. Ele vem com teorias tão loucas, que meu instinto é o mandar sair.
- Isso não faz o menor sentido, Lorenzzo! — me nego a aceitar.
- Você precisa olhar pra situação toda sem colocar suas expectativas, Antonio. — me repreende — É a única explicação lógica pra tudo isso.
- Me parecem apenas coincidências... — sou cético.
- Olhe a data de nascimento de Victor — me entrega uma fina pasta com algumas folhas, e continua — Um mês depois da morte da sua mãe.
- Ta, e dai? — retruco.
- Calma! Agora que a história começa. — Lorenzzo está ansioso, e os olhos estão bem fundos.
- Mas isso pode ser coincidência... — estou cético.
- Coincidência? — para ele tudo está tão óbvio. Suas mãos tremem.
- Como que nunca nos conhecemos antes? — me ajeito na cadeira, e começo o interrogatório.
- Você pode esperar eu contextualizar? — ele parecia um zumbi, então achei melhor não o confrontar. Apenas balancei a cabeça afirmando, e ele continuou. — Os registros de Victor começam apenas a partir dos 15 anos, quando ele entra pra uma escola em Verona. — ele fala como se eu fosse burro por não ver a ligação — Ele esteve sumido por 15 anos! — ele só falta querer desenhar — Já a mulher desconhecida que deu a luz na maternidade de Nápoles, neste mesmo dia, deixou uma suposta criança para adoção. Mas ela foi embora antes de passar pelo processo legal. Ninguém sabe quem é... e ninguém "se lembra desse dia".— diz fazendo aspas com as mãos em ironia.
- Ninguém nunca sabe de nada... — é sempre necessário forçar, ou subornar.
- Interrogamos antigos funcionários, e descobrimos que na verdade eles deixaram ela ir embora... sem preencher os documentos obrigatórios. Alguns colocam a culpa na super lotação, outros na incompetência, mas nós sabemos quem teria poder de apagar registros. — ele gesticula insanamente.
- E como some uma criança, e ninguém faz uma queixa na policia? Não achei nenhum registro nesse período. — tento bater as informações com as investigações que venho fazendo.
- Simples... medo! — ele passa as mãos pelos cabelos para parecer menos louco — Da mesma forma que não seguiram com o processo regular de adoção, também encobriram o sumiço do bebê horas depois. — ele se ajeita, e coloca as mãos entrelaçadas em sua frente. Está visivelmente cansado. — Ninguém denunciou, por que todos estavam envolvidos. — então ele da de ombros — Mas com todos esses vestígios, de nada me importa descobrir as exatas pessoas que participaram disso. Nenhum crime é perfeito, e esqueceram detalhes importantes para trás.
- Não sei... — estou perdido em pensamentos.
- Sabe, por que estou te contando. — ele não parece satisfeito com a minha reação.
- E o que explicaria ele quer me matar? E por que ele foi roubado pela máfia rival? Como eles descobriram essa porra? — essa história está me deixando perturbado. — A vida dele começou tão errada quanto a minha... que culpa eu tenho?
- Não se tratar de culpar você, ele quer ser você! — levanta as mãos ao alto mostrando o quão óbvio é toda essa história.Ao menos isso reduziria todos os meus problemas, a um central. Um senhor problema, diga-se de passagem. Mas seria obvio demais. Será? Isso provaria que ele tem mesmo uma certa psicopatia. Uma pessoa normal, planejaria por tantos anos uma vingança contra alguém que tem tanta culpa quanto ele? Lorenzzo tem tanta certeza que essa seria a única versão que ligaria todas as pistas. Mas pra mim essa ideia é tão absurda, que tento a todo custo encontrar respostas que a anulem.
Também estou preocupado com a sanidade de Lorenzzo nessas últimas semanas. Ele está tão focado nessas investigações, que anda irreconhecível. Suas olheiras estão ainda mais profundas que as minhas. Eu percebi isso desde aquele sermão gratuito no outro dia, sobre amor. Meu amigo deve estar sofrendo, e não tem nada haver com o que está rolando comigo, ou com a organização. Tem cheiro de mulher nesse descontrole todo. Tomara que a história dele não seja tão bizarra quanto a minha. Rio irônico. Merda de vida.
Algo dentro de mim tem esperança que eu ainda possa formar a minha própria família. Apesar de todo bloqueio. Pela primeira vez, eu sinto que mereço, sinto que faria diferente do que foi a minha história. Não que eu coloque a culpa de tudo o que passei nos meus pais. Eu já entendi que tem coisas que vão além do que podemos controlar. Quando eu tiver o meu filho, farei questão de o ensinar da mesma forma como o Sr. Giuseppe e a Sra. Solar Ferrara fizeram comigo. Sempre os admirei, e quero que os meus futuros filhos me admirem tanto quanto. Infelizmente não tive a chance de crescer rodeado da bondade e luz, que a minha mãe tinha. As vezes eu penso se poderia ter sido um homem melhor por isso. Talvez assim eu tivesse mais chances de um final feliz? Já que nessa vida, eu duvide muito que ainda consiga. Tudo o que eu ando sentindo é mais parecido com dor e perdas. Correr o risco de perder meu pai, fez com que eu chegasse bem perto do sentimento de quando perdi a minha mãe. Ainda não consigo dar um nome, mas pelo menos agora eu consigo compreender melhor. Essa experiência de quase perda, me fez mudar minha forma de ver tantas coisas.
O homem teve suas falhas, e seus excessos, mas quem não erra? Foi muito rígido, é verdade, mas me transformou em um homem capaz de lidar com tudo. Estive apto quando ele mais precisou. Agora todos me elogiam, em como fui um bom líder diante a tudo o que aconteceu. Um homem, que um dia, herdará seu lugar. Eu tinha medo de não ser capaz, mas hoje já não tenho mais dúvidas. Nunca me senti antes bom o suficiente, mas essas últimas semanas me transformaram. De certa forma, agora vejo que era por isso que sempre fui tão dedicado, e sanguinário. Queria fazer sempre o mais, para compensar o que eu pensava faltar em mim. Eu só me sentia poderoso, enquanto torturava minhas vítimas. Me conectava com elas, de uma forma diferente. Mas quando acabava, eu ainda me sentia como aquela criança quebrada. Por isso nada disso me completou. Nada disso fez eu me sentir vivo.
O dia passa, e me sinto satisfeito com tudo o que consegui resolver. Mas a mente é traiçoeira, e eu me pego lembrando das palavras de Lorenzzo hoje mais cedo, em nossa reunião. Por mais que eu queria ir contra essa maldita ideia, mais sentido ela faz. Depois de algumas horas, a ideia começou a ficar menos absurdas na minha mente, e as pistas me obrigam a tentar ligar os fatos. Explicaria o fato do Victor querer a minha cabeça, sem eu ter feito nada pra ele. Explicaria por que o maldito roubou minha namorada, e fez um filho nela. Tentou matar meu pai, tentou me matar. Ele quer assumir nossa posição? Ele quer só vingança? Isso se for ele realmente... não posso me precipitar. Rezo mentalmente para que Lorenzzo me traga provas mais concretas.
Ouço um barulho, e do um pulo na cadeira, em susto. As batidas na porta, me trazem de volta da areia movediça dos meus pensamentos. Torço para ser Lorenzzo com as informações do meu irmão bastardo, mas quem entra é Carlos com uma bomba de presente.
- Como assim, você trouxe uma criança com a gente? — Carlos só pode ter enlouquecido.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A DAMA DA MAFIA - Vol. I
Mystery / ThrillerAntonio, aos 33 anos, está prestes a assumir o posto de Capo di Tutti Capi da máfia italiana, cargo que sempre foi seu destino. Desde jovem, ele foi moldado para liderar, passando por provações de sangue, dor e poder. Contudo, seu coração está divid...