Capítulo DEZ - I

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À deriva

Finalmente eu tinha uma consulta marcada para um exame. Sentado numa cadeira de plástico azul, puxei o tricô que estava quase pronto – um gorro para John, para cobrir sua cabeça no frio. Era uma surpresa para ele.

A enfermeira me chamou e pediu para tirar o brinco e me deitar na mesa. Na outra ponta, havia um grande túnel. Ela prendeu minha cabeça com uma faixa larga e pediu para eu ficar imóvel. A mesa começou a se mover pelo túnel, enquanto algo girava ao meu redor.

Então, um médico entrou e se apresentou. "Vamos injetar um contraste para melhorar a imagem da tomografia do cérebro. Algumas pessoas têm reação alérgica, então, se sentir formigamento nos lábios ou língua, avise. Pode dar uma sensação de euforia também." Ele colocou uma agulha na minha veia, um procedimento bem desconfortável, prendeu uma seringa grande cheia de líquido laranja e injetou.

De repente, senti que estava caindo. Um pânico tomou conta de mim, mas, respirando fundo, a sensação passou.

O médico foi para trás de uma tela com a operadora, que apareceu de lado e mandou eu continuar imóvel enquanto meu corpo se movia lentamente de volta ao túnel. A equipe ficou em silêncio após o exame, apontando para as telas. Eu esperava que alguém viesse e me dissesse que estava tudo bem, mas ninguém fez isso. Eles continuaram falando e apontando para as telas.

Voltei para o quarto de John quando a residente do ambulatório me chamou. Segui-a até o posto dos médicos e fui levado a olhar algumas imagens no visor. Eu não sabia interpretá-las até que a residente começou a me explicar. Eu tinha cinco lesões de toxoplasmose no cérebro. Ela apontou algumas formas escuras na minha cabeça. "São colônias de um parasita transmitido por fezes de gato."

"Você está dizendo que eu comi cocô de gato?"

"Provavelmente brincando na areia quando criança. Como você é alérgico a medicamentos sulfa, vamos dar uma alternativa, Clindamicina. Gostaria que começasse imediatamente. Dois comprimidos quatro vezes ao dia." Ela me entregou uma receita.

"Isso vai me causar algum dano cerebral?"

"Provavelmente não. As lesões não consomem o cérebro, mas pressionam, o que causa os sintomas."

Fui à farmácia e, depois, com dificuldade, para casa, sentindo náuseas. Levei a TV para o quarto. Topolino, o boneco do Mickey Mouse que John comprou para mim em São Francisco, me olhava com seus olhos surpresos. De quem ele me lembra? De John. Me arrastei para a cama e brinquei com Topolino, fazendo-o imitar as coisas que John faz, como a famosa imitação de um rinoceronte investindo.

Piorava a cada dia, como se tivessem me dado permissão para sucumbir ao peso das dores de cabeça. Minha cabeça latejava, expandindo e contraindo como um balão a cada batida do coração.

No mundo do sono, consegui um alívio momentâneo do fardo da dor. Acordei algumas horas depois, esforçando-me para ler o relógio: 20h40. Não sei o que significa. Vinte para as nove? De manhã? Não sei. Preciso tomar os comprimidos.

Essa deriva continuou por alguns dias. Liguei para John, dizendo que me sentia mal demais para ir vê-lo. No terceiro dia, estava completamente desorientado. Liguei para o hospital e falei com a microbiologista responsável. Disse que estava tendo dificuldade para saber quais remédios tomar, até mesmo que dia era. Ela pediu que eu fosse ao hospital.

Liguei para meu amigo do Ankali, Geoff, no trabalho. Enquanto esperava, arrumei algumas coisas, uma tarefa nada fácil. Repetia para mim mesmo o que estava levando. Meias, Topolino, uma maçã e a Clindamicina.

Sentei-me no Pronto-Socorro, com a dor de cabeça borrando minha visão. Geoff se sentou ao meu lado, e pude relaxar, sabendo que estava em boas mãos.

Logo alguém veio me avisar que tinham conseguido uma cama no andar de cima, no quarto ao lado do de John, com uma porta entre os dois. "Oi, John", acenei.

Segure-o (Holding The Man) +18Onde histórias criam vida. Descubra agora