Capítulo XIX

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Ficar trancada e debilitada em uma cama me deu tempo para pensar nas palavras de Henry e em como eu teria uma possibilidade de fuga.

Isso não tem nada a ver com William.

Tinha quase certeza de que tinha algo com o assunto que Dorian e Harold conversavam na floresta – longe de todos – e com Noah, já que ele também tinha o brasão em suas cartas.

O que Noah, Dorian e Harold tinham em comum era a guerra, mas não sabia como Henry se encaixaria ali.

Meu estômago roncou quando tentei, novamente, levantar da cama. Minha cabeça doía e quando apoiei os pés no chão, meu tornozelo direito me fez querer chorar. Quando eu tinha machucado o pé? Estava inchado e vermelho como um tomate.

Ao menos tinha conseguido ficar sentada.

Era um quarto comum, sem janelas, com uma cama velha e uma abertura que levava a outro cômodo, provavelmente o banheiro. Me arrastei até lá na esperança de encontrar ao menos água para limpar o sangue seco. Não tinha água, mas fiquei feliz em ter um banheiro.

Havia uma pequena abertura em uma das paredes, mas tão alta que eu precisaria subir em algo para ver lá fora. Com um pé machucado e uma ferida na cabeça, achei aquilo quase impossível.

Não fazia a mínima ideia de onde Henry poderia ter me levado. Ele poderia ter me tirado da cidade, estava com uma carruagem e ficar perto de Anders Hall seria muito perigoso para ele. Ao menos era isso que eu imaginava.

Ficarei de olho em você.

Esperava com toda a sinceridade que Dorian cumprisse sua ameaça, quem sabe assim eu teria chances de ser encontrada.

Não tinha comida e Henry não tinha deixado a água.

Seria esse o meu fim? Trancada em um quarto definhando?

Outro temor se apoderou de mim: e se Henry não voltasse? Ele passava dias longe de casa e ninguém se importava. Já estava fraca e não conseguiria nem ao menos tentar derrubar a porta.

Engoli em seco. Não podia me desesperar, só pioraria minha situação.

Então fiz a única coisa que eu poderia fazer naquele momento: orar.

Era como se eu tivesse entrado na cova dos leões e precisasse urgentemente de um milagre.

Por favor, Deus, ajude-me. Não tenho forças ou meios para sair daqui. Estou com medo, muito medo. O Senhor é o único que pode me ajudar. Permita que alguém sinta a minha falta, que descubram que não estou com Camila e os guie até este lugar. Por favor!

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Só percebi que havia caído no sono quando ouvi latidos.

Latidos? Bob!

Sentei-me na cama ignorando minhas dores, a esperança me impulsionando. Não havia sinal de Bob, mas Henry estava no quarto. Suas roupas pretas o faziam ser ainda mais assustador, ele estava sentado em uma cadeira que não estava ali antes. O móvel onde estava a vela acesa agora também tinha um prato e uma taça.

– Estive em Anders Hall hoje.

Hoje?

– Acredito que não a veremos mais, ele não nos quer lá. – Henry ficou de pé. – Mas eu não podia perder o enterro do meu próprio pai.

Enterro... Então o senhor Anders tinha morrido.

Pobre Agnes, ela devia estar sofrendo. E Dorian... por mais que não quisesse admitir, tinha a certeza de que também sofria. Os olhos de Henry estavam vermelhos, mas eu não saberia dizer se de raiva ou por choro.

– Você sabe escrever, senhorita Ashby?

– Sim.

Ele tirou do bolso da calça um pedaço de papel e um lápis e os colocou ao lado do prato.

– Coma e pense muito bem no que pretende fazer. Eles estão de luto em Anders Hall, não há ninguém preocupado pelo desaparecimento de uma criada. Sua única chance de sair daqui é escrever o que eu quero. – Ele se aproximou da cama, os movimentos calmos como se não tivesse pressa, mas eu sabia que ele tinha. – Escreva as coordenadas da Irlanda, voltarei amanhã e se nada estiver escrito... – Henry sorriu. – Vou arrancar a resposta de sua garganta.

Com essas palavras gentis, ele saiu do quarto me trancando novamente.

Levantei e me arrastei até onde estava o prato e meu estômago roncou em resposta. O cheiro e a aparência da sopa não eram agradáveis, mas na fome em que estava, qualquer coisa seria bem vinda. Tomei a água com tanta rapidez que depois me arrependi. Tinha acabado em um piscar de olhos. Com a comida foi a mesma coisa. Era apenas para que eu não morresse, mas ainda me manteria fraca.

Encarei o papel e suspirei.

Poderia escrever um livro ali, ainda assim não seria a resposta que Henry queria. Levantei para ir ao banheiro e só então me dei conta de que agora tinha uma cadeira.

Com muita dificuldade, me arrastei junto a cadeira até o banheiro. A posicionei próximo da parede e encarei o teto.

Meu pé ainda estava muito machucado para fazer aquilo, mas eu não teria escolha, aquela tentativa faria a dor e infecção piorarem.

Vou arrancar a resposta de sua garganta.

Por instinto, coloquei a mão em meu pescoço. Seria melhor quebrar o pé ali do que enfrentar Henry.

Trinquei a mandíbula quando me apoiei na cadeira.

O formigamento se misturou a uma dor colossal e senti meu estômago apertar. Não podia me dar o luxo de vomitar agora. Mesmo em cima da cadeira, precisei me esticar para olhar lá fora. A dor foi tanta que senti meus olhos lacrimejarem.

Eu podia ver o que tinha lá fora: árvores e mais árvores. Uma floresta só Deus sabe onde.

Desci da cadeira e me sentei nela, minhas forças sendo sugadas por aquele simples ato.

Talvez Henry tivesse razão: com a morte do senhor Anders e toda a comoção que aquilo poderia ter causado, ninguém se importaria com uma criada. Talvez Agnes se lembrasse, e Dorian... Eu não sabia, mas rogava a Deus para que ele se lembrasse de mim.

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