1900
Louisiana
Nas ruas periféricas de uma cidade pacata, o som de risadas infantis ecoava fracamente entre as vielas desgastadas, abafadas pelo ruído dos adultos que trabalhavam sob o sol escaldante. Homens e mulheres, de rostos abatidos e braços ressequidos, moviam-se como máquinas, os músculos doloridos enquanto trocavam seu esforço exaustivo por migalhas que mal sustentavam a fome crescente. A crise chegou tão rapidamente que pegou todos desprevenidos, transformando a cidade em um cenário de caos e desespero, onde a esperança se esfarelava junto com o pão duro repartido ao fim do dia. A violência era um rumor constante, uma sombra que rondava a todos; até as crianças, sem entender, sentiam o peso da tensão que pairava no ar.
O destino dos desprovidos era a exaustão e a fome, enquanto a cidade continuava sua adoração aos burgueses, indiferente ao sofrimento dos trabalhadores que suavam até o último fôlego. Sentado na calçada, com o corpo magro envolto em trapos desbotados, Eren observava o pequeno formigueiro aos seus pés. Suas mãos sujas sustentavam o queixo enquanto os olhos, escondidos por detrás dos fios emaranhados do cabelo, acompanhavam o vai e vem incessante das formigas. Na sua fome, cada migalha que as formigas carregavam se tornava um lembrete doloroso do pão que ele mesmo mal via.
A trilha de formigas o fascinava; uma linha preta e contínua que se movia com determinação, levando pequenos pedaços de pão ou folhas. A mãe de Eren já havia lhe contado que as formigas trabalhavam todos os dias para alimentar a rainha, que as fazia se multiplicar até que o formigueiro se tornasse um império de operárias incansáveis. Ele inclinou a cabeça de leve, um brilho curioso no olhar ao ver uma pequena formiga arrastando uma folha grande demais para ela. Parecia tão determinada, tão feroz em seu propósito, e, sem saber o porquê, Eren se identificou com aquele esforço ingrato.
— Por que vocês se esforçam tanto se tudo o que a rainha faz é procriar? — murmurou, a voz rouca e baixa — Por que continuam engordando ela enquanto se matam de trabalhar?
Ele riu, um som fraco e triste, um reflexo amargo da própria pergunta que o consumia. Naquele instante, ele se sentiu como uma das formigas: pequeno, desimportante, perdido em um mundo que exigia dele um sacrifício imenso e ininterrupto, sem oferecer nada em troca.
O rugido do motor trouxe Eren de volta à realidade, um som imponente e estranho, quase mágico, naquelas ruas empoeiradas e esquecidas. Era um Daimler, uma invenção moderna e distante da dura rotina dos pobres. O garoto observou em silêncio enquanto uma pequena família descia do carro. À frente, com o queixo erguido e os olhos atentos, estava um homem que Eren conhecia muito bem: o barão Karl Fritz, de quem sua mãe, Carla, havia falado. Anos antes, aquele mesmo homem arrogante havia procurado Carla, desesperado por sorte, e sua mãe, conhecida por seus feitiços, o ajudou em troca de alguns trocados e pão. Agora, com o barão ricamente vestido e uma mulher e uma criança ao lado, Eren só podia imaginar que o feitiço fora bem-sucedido.
Ao lado de Fritz, estava uma mulher de beleza melancólica, uma loira de pele clara e olhos perdidos, segurando a mão de uma menina que não tinha mais que cinco anos. A garotinha carregava um urso de pelúcia, impecável e macio, algo que Eren jamais viu na vida. Seus olhos brilharam por um instante, fixos naquele brinquedo, mas o brilho logo se apagou quando o barão notou seu olhar. Num passo brusco, Fritz se colocou diante das duas, lançando um olhar de puro desprezo.
— O que tanto olha, pirralho imundo? — cuspiu as palavras, como se o simples fato de ser visto por Eren lhe causasse repulsa.
Eren abaixou a cabeça, o coração disparado, sem ousar encará-lo. Sabia que, naquelas ruas, havia um limite para tudo — até para olhar. Sua mãe o avisou, desde muito pequeno, sobre saber seu lugar, mas, por um instante, ele se esqueceu, atraído pela cena que jamais imaginou. O silêncio só aumentou a irritação do barão, que estreitou os olhos e deu um passo à frente.

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Voodoo
FanfictionPorque o voodoo que você faz é tudo o que me torna seu tolo Porque você faz voodoo, e eu sou só uma boneca que os pinos são empurrados Então toda vez que tento sair desse transe Tenho muito medo de perder minha chance de ser enfeitiçado e perturbado...