II

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KENNY?!

O quê? Espera... COMO?! — perguntei para Kenny, a confusão estampada no meu rosto. Não fazia sentido algum. Ele não era pobre? Como, caralhos , ele conseguiu estar aqui? Minha mente parecia um turbilhão, tentando juntar as peças de um quebra-cabeça impossível. Kenny sempre teve uma vida difícil. Ele cresceu em uma família miserável, com pais que não conseguiam sequer sustentar os próprios filhos. Pior ainda, os pais dele tinham sido presos há apenas quatro meses por roubarem mais de 30 lojas. Como, depois de toda essa merda, ele conseguiu dar a volta por cima?

Olhei para ele, tentando encontrar alguma resposta em sua expressão. Mas, para minha surpresa, Kenny não parecia nem um pouco abalado. Ele exibia aquele sorriso tranquilo, quase despreocupado, que sempre me deixava sem entender se ele era incrivelmente forte ou apenas louco. Senti um peso no peito, uma mistura de pena e admiração. Pena, por tudo que ele tinha enfrentado. Admiração, por como ele parecia carregar o mundo nas costas sem nunca perder a compostura.

— Pois é, cara — disse ele, com uma voz casual, como se estivesse falando sobre o clima. — Aconteceu um montão de coisas. Meus pais começaram a agredir a Karen porque ela não queria roubar drogas para eles. Foi aí que eu não aguentei mais. Chamei a polícia desesperado. Eles vieram rápido e prenderam meus pais. Parece que tinham provas suficientes pelas câmeras das lojas e confirmações de imagem, já que eles roubaram mais de 30 lugares.

Fiquei olhando para ele, atônito, enquanto ele continuava.

— Depois disso, eu fugi com meus irmãos. Melhor do que acabar em um orfanato, sabe? Ficamos um tempo por conta própria até que... bom, fomos adotados por duas mulheres. Elas são incríveis, na real. E, pode pá, minha vida tá bem melhor agora. — Kenny deu de ombros, como se estivesse contando uma história qualquer, sem o menor peso ou preocupação com o que havia acontecido com seus pais.

A naturalidade com que ele falava me atingiu em cheio. Era difícil processar tudo aquilo. Kenny, que tinha passado pelo inferno, estava ali do meu lado, lidando com tudo como se fosse apenas mais um dia na vida. E eu? Eu ficava preso em meus próprios problemas, que agora pareciam tão pequenos diante do que ele havia enfrentado.

— Cara... você tá bem mesmo com tudo isso? — perguntei, ainda tentando entender como ele podia ser tão resiliente.

— Na verdade, eu nunca gostei dos meus pais. As brigas eram constantes, sempre tinha algo errado, sempre tinha gritos... comigo e com meus irmãos. Então, sinceramente? Foi um alívio quando eles foram embora. — Kenny disse isso de forma tranquila, quase fria, enquanto olhava para mim. Não havia hesitação na voz dele, apenas uma verdade crua. Depois, ele desviou o olhar, focando no celular como se aquela confissão não tivesse peso algum.

Fiquei parado por um momento, tentando processar o que ele acabara de dizer. Era difícil imaginar alguém lidando com uma situação dessas tão... naturalmente. Talvez porque, no fundo, Kenny nunca teve outra escolha. Ele sempre precisou ser forte, ou, pelo menos, fingir ser.

Sem saber como responder, apenas me sentei ao lado dele, tentando me acomodar no assento apertado. Peguei meus fones de ouvido e os conectei ao celular, buscando alguma distração que me tirasse da confusão em minha mente. Talvez se eu escutasse música, se me perdesse nas melodias, o sono finalmente viesse.

Olhei para o teto do ônibus, onde as luzes tremeluziam suavemente com o movimento. Minha mente vagava enquanto eu ouvia o som abafado das vozes ao meu redor. As pessoas conversavam animadamente, algumas riam, outras discutiam. Era tudo tão caótico, tão barulhento. Ainda bem que eu tinha meus fones. A música era meu refúgio, um escudo contra o mundo ao meu redor.

Enquanto as batidas da música preenchiam meus ouvidos, uma sensação de cansaço começou a pesar em meu corpo. Fechei os olhos por um instante, mas as palavras de Kenny ecoavam na minha mente. "Foi um alívio." Como alguém podia dizer isso sobre os próprios pais? Mas então lembrei do que ele havia enfrentado. Talvez, para ele, o alívio fosse mais do que justificável.

the constellations unite usWhere stories live. Discover now