SARAH PIMENTEL
Conviver com os irmãos Amaral não estava sendo tão complicado quanto imaginei. Depois da noite na pizzaria, a dinâmica entre nós mudou. Era como se aquela saída tivesse quebrado o gelo que ainda pairava sobre a casa. Não éramos exatamente uma família, mas havia uma leveza que antes parecia impossível.
Lucas continuava com suas piadas maliciosas e aquela energia provocadora que não dava trégua, enquanto Rafael, sempre contido, mantinha uma distância segura de mim, como se quisesse evitar qualquer proximidade além do necessário. Ele era educado, claro, mas era impossível não perceber que fazia o possível para limitar nossas interações.
De certa forma, isso me frustrava, mas eu entendia. Cada um de nós estava lidando com a perda de Rosana à sua maneira, e eu sabia que o luto podia se manifestar de formas que nem sempre faziam sentido.
Era uma noite comum, e eu estava sozinha no quarto, assistindo Velocidade Máxima. O som dos pneus cantando no filme e a música de fundo preenchiam o espaço, mas ainda assim, ouvi um barulho estranho. Pausei o filme e fiquei em silêncio por um momento, tentando identificar o som. Parecia vir debaixo, da cozinha. Franzi o cenho, sentindo uma pontada de curiosidade misturada com preocupação, e saí do quarto. O corredor estava silencioso, e a única luz vinha da cozinha.
Desci as escadas devagar, o coração batendo um pouco mais rápido do que o normal. Ao chegar à entrada da cozinha, vi Rafael com a mão ensanguentada, cacos de vidro espalhados pelo chão. Ele estava inclinado sobre a pia, respirando fundo, e sua postura tensa entregava que algo mais estava acontecendo.
— Rafael, o que aconteceu? — perguntei, entrando devagar.
A preocupação na minha voz era óbvia, mas ele nem olhou para mim.
— Não é nada. Volta pro seu quarto — respondeu, seco, enquanto pressionava um pano contra a mão para tentar estancar o sangue.
— Não é nada? Sua mão tá sangrando e tem vidro no chão. Você acha que eu vou simplesmente virar as costas? — Cruzei os braços, me recusando a sair.
Ele finalmente me encarou, os olhos vermelhos e o rosto carregado de algo que eu não conseguia identificar completamente. Raiva? Dor? Talvez uma mistura dos dois.
— Eu limpo isso. Vai embora, Sarah. — O tom ríspido dele me pegou de surpresa, e meu peito apertou com a frieza das palavras.
Por um segundo, considerei obedecer, mas então percebi que ele estava chorando. Era sutil, quase imperceptível, mas as lágrimas brilhavam sob a luz fraca da cozinha. Meu coração se apertou. Aquela postura rígida, quase inabalável, estava desmoronando bem na minha frente.
— Rafael... — murmurei, me aproximando. — Me deixa ajudar, por favor.
Ele não respondeu, desviando o olhar enquanto continuava pressionando o pano contra a mão. Respirei fundo, tentando ignorar o nó que começava a se formar na minha garganta, e peguei a vassoura e a pá que estavam no canto da cozinha.
— Você limpa a mão, e eu cuido dos cacos. Assim terminamos mais rápido — disse, minha voz firme, mas suave.
Rafael suspirou, como se estivesse cansado demais para discutir, e se afastou para sentar em uma das cadeiras da mesa. Enquanto ele cuidava da mão, comecei a varrer os pedaços de vidro. O som dos cacos se movendo pela pá ecoava pela cozinha, mas o silêncio entre nós parecia ainda mais alto.
Quando terminei de limpar, me virei para ele. Ele ainda estava com o pano enrolado na mão, o rosto levemente inclinado para baixo. Sua respiração estava mais lenta agora, mas havia algo de incrivelmente vulnerável nele.

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PECADO OBSCURO [TRISAL]
RomanceSarah descobre que Rosana, sua chefe e mulher que sempre a tratou como uma filha, a incluiu em seu testamento, deixando-lhe uma herança significativa. No entanto, há uma condição inusitada: ela deve passar seis meses morando com os filhos gêmeos de...