SARAH PIMENTEL
O dia seguinte chegou com uma leveza estranha, como se o peso da decisão tivesse se transformado em algo mais palpável. Eu sabia o que precisava fazer, e, de certa forma, isso tornava as coisas mais fáceis. Mas o nervosismo ainda estava lá, pulsando como um tambor surdo enquanto me preparava para a reunião. Vesti um blazer azul-escuro e uma calça de alfaiataria preta, combinando com uma blusa branca simples. O espelho me mostrava uma imagem decidida, mesmo que o tumulto dentro de mim dissesse o contrário.
Quando cheguei ao escritório do Henrique, encontrei Lucas e Rafael já à minha espera. Eles estavam impecáveis como sempre, mas com estilos que deixavam claras as diferenças entre eles. Rafael, mais contido, vestia um terno cinza escuro, de corte simples, que realçava sua postura firme e a seriedade no olhar. Lucas, por outro lado, exibia um terno azul-marinho bem ajustado, com um leve brilho que realçava o charme quase provocador que ele insistia em carregar. Parecia que mesmo em um encontro formal ele precisava se destacar.
Henrique, com sua postura profissional e um terno tradicional preto, fez um gesto para que nos sentássemos, começando a reunião com sua calma habitual.
— Bem, estamos todos aqui e imagino que tenham tomado suas decisões — começou ele, com um olhar que passava de mim para os gêmeos. — Antes de seguirmos com a documentação, preciso saber se todos vocês estão de acordo com as condições estabelecidas pela senhora Rosana.
Eu troquei um olhar rápido com Rafael e Lucas, que, pela primeira vez, pareciam mais sérios do que rebeldes. Rafael assentiu, e Lucas, embora visivelmente desconfortável, fez um leve movimento de cabeça, aceitando as condições.
— Sim, aceitamos as condições — falei, minha voz saindo mais firme do que eu esperava.
Aquilo parecia um ponto final em tudo, um compromisso de honrar a memória de Rosana.
Henrique soltou um leve sorriso de aprovação e então abriu uma gaveta, retirando um pequeno chaveiro de prata com uma única chave pendurada.
— Esta é a chave da casa onde vocês vão morar durante esse período — explicou ele, estendendo a mão com a chave para Rafael, que a pegou com cuidado. — É uma casa em Botafogo, nada exagerado, mas muito bem estruturada e já mobiliada. Uma das preferidas de sua mãe, inclusive.
O semblante dos gêmeos mudou, e percebi um brilho quase emocionado nos olhos de ambos. Era como se aquele simples objeto trouxesse à tona lembranças de algo que tinha ficado guardado no tempo. Lucas e Rafael se entreolharam por um instante, um silêncio cúmplice entre os dois, e eu quase podia ver que aquela casa tinha um significado muito maior do que apenas um lugar para cumprir uma condição.
Henrique então voltou seu olhar para mim, assumindo um tom mais direto.
— Sarah, precisamos falar sobre o hotel em Santa Teresa — disse ele. — Agora que está em suas mãos, é importante decidir como pretende administrar o local. Existem algumas opções, claro.
— Certo, vamos lá — falei, tentando disfarçar o nervosismo.
Henrique começou a explicar, sem perder a paciência, as alternativas que eu teria para gerenciar o hotel. Ele mencionou a possibilidade de eu mesma administrar tudo, o que envolveria estar presente diariamente e tomar todas as decisões. Outra opção seria contar com uma equipe gerencial, que ficaria responsável por grande parte das operações, enquanto eu teria uma função mais estratégica e menos ativa. Por último, ele sugeriu que eu poderia simplesmente arrendar o hotel, deixando-o nas mãos de outra pessoa, em troca de um valor fixo.
Respirei fundo antes de responder.
— Acho que prefiro a segunda opção — falei, sentindo que minha voz saía mais baixa. — Apesar de ser formada em administração e hotelaria, ainda não me sinto preparada para assumir algo tão grande sozinha. Uma equipe gerencial faria sentido.
Henrique assentiu, claramente satisfeito com a minha escolha.
— É uma decisão prudente, Sarah. E saiba que terá todo o apoio que precisar para fazer as melhores escolhas para o negócio.
A reunião foi finalizada logo em seguida, com a sensação de que uma nova etapa estava realmente começando. Quando nos despedimos de Henrique, eu já estava me sentindo um pouco mais confiante, como se finalmente estivesse tomando as rédeas de uma responsabilidade que, mesmo enorme, agora parecia um pouco mais palpável.
***
Seguimos juntos para Botafogo, os três em silêncio enquanto cada um parecia absorver as mudanças que viriam. Quando chegamos à casa, eu fiquei impressionada. A fachada era simples, mas tinha uma elegância discreta. Era uma construção sólida, de três andares, com detalhes em madeira e janelas amplas que deixavam entrar a luz natural. Cara de lar, um verdadeiro refúgio em meio ao caos da cidade.
Lucas e Rafael pareciam emocionados, ainda mais do que antes. Quando abriram a porta e entraram, notei que cada detalhe da casa parecia trazer alguma lembrança. Eles se moviam pelo lugar como se estivessem revivendo momentos do passado, tocando de leve as paredes, os móveis, os objetos.
— Essa foi uma das primeiras casas em que a gente morou — disse Rafael, a voz baixa, quase um sussurro.
Ele olhava ao redor com um misto de nostalgia e tristeza, como se cada canto guardasse uma parte da infância deles.
— É... A mãe gostava muito desse lugar — completou Lucas, visivelmente mais contido, mas com o olhar igualmente distante.
A casa já estava totalmente mobiliada, com móveis de bom gosto, sem exageros. A decoração era acolhedora, com sofás confortáveis, uma cozinha espaçosa e um toque rústico que combinava com o ambiente de Botafogo. A sensação de familiaridade me surpreendeu, como se o ambiente fosse me acolhendo aos poucos, e não pude deixar de imaginar o que significava para os dois irmãos estarem de volta ali.
Subimos para o segundo andar, onde ficavam os quartos. Eram espaços bem distribuídos, com uma leveza que fazia qualquer um se sentir em casa. Era hora de decidir quem ficaria com qual quarto, e cada um inspecionava as acomodações com um olhar crítico, embora um clima mais descontraído começasse a se formar.
Lucas, que já havia percorrido o andar inteiro, parou ao meu lado, sorrindo com aquele olhar provocador que eu já estava começando a reconhecer.
— Sabe, Sarah, a gente podia simplificar as coisas... — disse ele, com um brilho nos olhos. — Se você quiser, pode dormir comigo. Assim, sobra um quarto pra alguma visita, vai que...
Revirei os olhos, não conseguindo conter o tom sarcástico.
— Ah, prefiro a morte — retruquei, cruzando os braços. — Ficar com alguém mais rodado que rapper no auge da carreira? Dispenso, obrigada.
Rafael soltou uma risada discreta, cruzando os braços enquanto olhava para o irmão.
— Toma essa, Lucas — ele provocou, rindo ainda mais.
Lucas me lançou um olhar ofendido de brincadeira, sem perder o sorriso.
— Ah, antes ser rodado do que chifrudo, né, mano? — retrucou, provocando Rafael.
A menção me fez lembrar da história que Rosana havia comentado comigo um dia. Rafael, em outro relacionamento, havia sido traído e descobriu, de maneira devastadora, que o filho que pensava ser seu na verdade não era. Rosana sempre mencionava que Rafael era teimoso, que ele havia ignorado seus conselhos para fazer um teste de DNA logo no começo. Teimosia, dizia ela, era o ponto fraco dele.
Olhei para Lucas, com um meio sorriso, e balancei a cabeça.
— Ser traído não é escolha, Lucas. Mas sair por aí metendo em qualquer buraco, isso é — falei, direto, sem rodeios.
Lucas riu, mas dessa vez havia algo mais leve no olhar dele.
— Realmente, Sarah. Vejo que minha mãe te treinou bem. Isso que você disse aí é a cara dela.
O comentário, embora em tom de brincadeira, trouxe uma sensação de nostalgia que parecia atravessar os três. O clima estava mais leve, como se, finalmente, uma descontração houvesse encontrado espaço em meio ao turbilhão de emoções que vivíamos.
Depois de decidirmos sobre os quartos e darmos uma última olhada no lugar, combinamos que a mudança seria feita em uma semana. Quando saímos da casa, o sentimento era de que, apesar das diferenças e das memórias difíceis, estávamos começando algo novo juntos.
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PECADO OBSCURO [TRISAL]
RomanceSarah descobre que Rosana, sua chefe e mulher que sempre a tratou como uma filha, a incluiu em seu testamento, deixando-lhe uma herança significativa. No entanto, há uma condição inusitada: ela deve passar seis meses morando com os filhos gêmeos de...