Capítulo 1

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SARAH PIMENTEL

O céu estava nublado, quase como se o próprio tempo estivesse de luto. As nuvens cinzentas pairavam baixas sobre o cemitério, abafando o som das poucas palavras ditas ao redor. Eu estava parada, imóvel, observando a cena diante de mim. As mãos enfiadas no bolso do casaco para tentar aquecer um pouco, mas, na verdade, o frio vinha de dentro. O frio de uma perda que eu ainda não conseguia processar completamente.

Dona Rosana.

Ela não era apenas a minha chefe, não apenas a mulher que me contratou quando eu tinha 16 anos e mal sabia o que fazer da vida. Ela foi uma guia, uma segunda mãe. Se não fosse por ela, eu não teria tido tantas oportunidades. E agora... agora eu estava vendo seu caixão ser baixado na terra, como se o mundo estivesse tentando enterrar, junto com ela, todas as coisas boas que ela tinha trazido para minha vida.

A cerimônia era simples, mas havia algo de pesado no ar, algo que fazia com que cada palavra dita pelo padre parecesse mais densa, mais difícil de ser absorvida. Meus olhos, por mais que tentassem se fixar no caixão, eram atraídos constantemente para os dois homens parados mais à frente, ao lado dele. Lucas e Rafael. Os filhos de Rosana.

Ambos estavam de preto, é claro, e apesar de serem idênticos fisicamente — altos, magros, levemente musculosos, com os cabelos pretos curtos e os mesmos olhos escuros penetrantes —, a tristeza e a confusão que carregavam nos rostos os diferenciavam naquele momento. Lucas, o mais descontraído, normalmente com um sorriso ou uma piada pronta, agora parecia distante. Seu rosto, geralmente marcado pelo charme e pela leveza, parecia sombrio, como se estivesse perdido em algum lugar entre a dor e a incredulidade. Seus ombros largos, normalmente relaxados, estavam tensos, e ele mantinha as mãos nos bolsos da calça, como se tentasse se segurar.

Rafael, o oposto, sempre tão sério e compenetrado, mantinha o semblante duro. Seus traços angulosos, com o maxilar bem definido, reforçavam a expressão grave que ele carregava com naturalidade. Mesmo com o rosto impassível, eu sabia que, por dentro, ele estava tão devastado quanto o irmão. Seus olhos negros, que raramente revelavam algo, agora pareciam mergulhados em um abismo de emoções reprimidas, mas ele não demonstrava. Não abria espaço para isso.

Meus olhos encontraram os deles uma ou duas vezes, e cada vez que isso aconteceu, virei o rosto rapidamente, sem saber o que fazer. Eu queria ir até eles, dizer algo, oferecer qualquer palavra de conforto. Mas, ao mesmo tempo, sentia que não tinha esse direito. Eu era só uma funcionária, no fim das contas. Por mais que Rosana tivesse me tratado como alguém da família, os filhos dela talvez não me vissem da mesma forma. E naquele momento de dor, eu não me atrevia a me aproximar.

Dei um passo para trás, me afastando ainda mais do grupo, preferindo observar de longe. Era mais fácil lidar com a minha própria tristeza assim, sem me envolver demais. Eu sabia que esse era o último adeus, e cada parte de mim parecia pesada, como se eu estivesse me despedindo de uma fase inteira da minha vida.

Quando tudo terminou, observei as pessoas começarem a se dispersar. A sensação de vazio no peito parecia aumentar a cada passo que eu dava para longe daquele cemitério. Sem olhar mais para trás, entrei no carro e fechei a porta com um suspiro pesado.

O trajeto até em casa foi feito no automático. Minhas mãos seguravam o volante, os olhos focados na estrada, mas minha mente estava em outro lugar. A ideia de que Rosana não estaria mais por perto parecia surreal. O que seria de mim agora? Eu trabalhava no Palácio Atlântico desde os 16 anos. O hotel era parte da minha vida, como uma extensão de quem eu era. E agora, com Rosana se indo... o que aconteceria comigo?

A questão me corroía por dentro. Eu não fazia ideia de como Rafael e Lucas iriam lidar com os negócios da família. Será que eles manteriam a rede de hotéis? Será que eu ainda teria um emprego?

Cheguei em casa e estacionei na garagem, desligando o motor com um movimento lento. O peso da incerteza me atingia mais forte a cada minuto que passava. Peguei minha bolsa no banco do passageiro e saí do carro, caminhando até a porta com passos pesados.

Assim que entrei, minha mãe, Helena, estava na cozinha, como sempre. O cheiro de café fresco no ar e a familiaridade do ambiente me deram uma sensação momentânea de conforto. Ela ergueu os olhos quando me viu, o rosto se suavizando em uma expressão de simpatia.

— Sinto muito, filha — disse ela, sua voz suave, como se tentasse amenizar o peso do que estava acontecendo.

Caminhei até ela, depositando um beijo em sua bochecha, como fazia sempre. Mas naquele momento, o gesto parecia mais carregado, mais significativo.

— Eu também, mãe — murmurei, encostando-me ao balcão da cozinha. — Foi tudo tão rápido... Não parece real.

Ela me olhou por um momento, secando as mãos em um pano de prato antes de vir até mim.

— E como você está? — perguntou, a preocupação visível em seu tom. — Não só pela Rosana... mas com o hotel? Eles falaram alguma coisa sobre o futuro?

Suspirei, o peso da incerteza voltando a me atingir em cheio.

— Não sei, mãe. Não faço ideia de como Rafael e Lucas vão lidar com isso agora. Eles não disseram nada, e... honestamente, não sei se eles vão querer continuar com a rede de hotéis.

Ela franziu o cenho, a preocupação crescendo em seu rosto.

— Eu só espero que isso não afete seu emprego. Você dedicou tanto tempo àquele lugar.

Apertei meus lábios, assentindo lentamente. Eu sabia que ela estava certa. O Palácio Atlântico era tudo o que eu conhecia. Sete anos da minha vida estavam entre aquelas paredes, e a possibilidade de tudo isso acabar de uma hora para outra me assustava mais do que eu estava disposta a admitir.

— Vou tomar um banho — murmurei, sentindo a necessidade de lavar o peso daquele dia.

Minha mãe apenas assentiu, seus olhos ainda me acompanhando enquanto eu subia as escadas para o meu quarto.

Fechei a porta do banheiro atrás de mim e deixei a água quente escorrer pelo meu corpo. O vapor rapidamente encheu o ambiente, e por um momento, me permiti fechar os olhos e deixar que a água lavasse, ao menos por alguns instantes, o cansaço e a tristeza.

Quando saí do banho, vestindo um roupão, ouvi o toque insistente do meu celular em cima da cama. O nome na tela fez meu coração pular um batimento.

Rafael Amaral.

Engoli em seco antes de atender, a voz dele soando tão direta quanto eu esperava.

— Sarah? — Ele não esperou minha resposta, como se fosse óbvio que eu atenderia. — Amanhã, às 10h, você precisa estar no escritório do hotel em Copacabana. Temos algumas coisas para resolver.

— Certo — respondi, tentando manter minha voz estável, mas algo na maneira como ele falava me deixava nervosa.

Ele desligou sem mais uma palavra, deixando-me ali, segurando o celular, o som da chamada encerrada ainda ecoando nos meus ouvidos.

Eu tinha certeza de que seria demitida.

PECADO OBSCURO [TRISAL]Onde histórias criam vida. Descubra agora