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Sábado à tarde. Não esperava que nada fosse acontecer, que seria como qualquer tarde de sábado na praça do meu bairro, até que vi dois olhos me fitando distraidamente. Quando esbarrei meus olhos neles, foi conexão imediata. Havia alguma coisa neles que me fez sentir bem em estar vivo, e não insignificante como me senti nos outros momentos do dia. Quando a dona de tais olhos, ao perceber que estava olhando-a de volta, abaixou a cabeça e sorriu, pensei "Preciso conhecê-la. ". Andei em sua direção, sentei ao seu lado e inventei uma desculpa, falei que achava que a conhecia de algum lugar (a mais clichê das cantadas) e a convidei para um café. Para minha surpresa, ela aceitou, e com o sorriso besta que estava, fiquei, até achar um lugar que fosse confortável para os dois. "Não tem nada demais em tomar um café entre amigos", Pensei.

Eu pedi um café com leite e ela um árabe. Além dos olhos castanho-mel, tinha a pele morena, os cabelos cacheados e um sorriso de tirar a sanidade mental de qualquer um. Tinha uma tatuagem no braço, escrito "Carpe Diem", uma expressão do latim que significa "Aproveite todo dia como se fosse o último" e um livro em mãos, me olhando discretamente por cima das folhas. Enquanto conversávamos, parecia se perder por entre o contexto do livro e nossas conversas, lendo um trecho rápido cada vez que dava um gole no café árabe. Por fim, decidiu marcar a página em que parou e conversar olhando em meus olhos. Aí quem se perdia no assunto era eu. Como pensar no que falar com aqueles olhos que tinham a cor do meu café com leite me fitando intensamente? Um breve silêncio foi quebrado com um pedido:

- Está tarde, tenho que ir pra casa. Quer me acompanhar?

Meu insistente silêncio não me deixou responder à pergunta. Só consegui balançar a cabeça em sinal afirmativo, e nós fomos. Paguei a conta dos cafés (nada mais justo, eu que chamei), mesmo com sua insistência em pagar o próprio café. Isso me fez pensar em seu jeito mais do que sua aparência. Por vezes parecia tímida e insegura, por outras, extrovertida e confiante. Chegando em sua casa, ela diz:

- É aqui.

Quando olhei para cima, vi um enorme casarão antigo, como se fosse de histórias que nos contam para dormir quando crianças. Por trás da cerca, um balanço de pneu amarrado a uma macieira, que também parecia ser bem antiga. Uma casa de cachorro, feita de madeira, com o nome "Dolphin" talhado em seu teto. Ainda estava admirando a casa, quando ela me trouxe à realidade:

- Melhor você voltar, meu pai não gosta muito de visitas. O dia foi ótimo, queria que acontecesse mais vezes.

Ainda meio sem reação, perguntei:

- Olha, o que você acha de mantermos contato? Assim, dias como esse acontecerão quando quisermos e pudermos.

Ela tira um papelzinho e uma caneta de dentro da bolsa em que carregava o livro, anota umas coisas e diz:

- Aqui, toma. Não me chame depois das 23:00, papai não gosta.

Com o papel em mãos, dou dois beijos tímidos em sua bochecha, que logo ficam avermelhadas. As dela e as minhas, por sinal. Olho no papel, e logo abaixo do número está escrito, com letra cursiva bem delicada "Diana. ". Vendo que havia substituído o pingo no i por um coração, pensei "Isso deve ser um bom sinal. ".

Minha casa não era das melhores de se admirar, como a dela, mas não era ruim de se viver. Um pé de amêndoas bem grande no quintal fazia sombra nos dias quentes, e o calor humano de uma mulher, um jovem, dois adolescentes e um bebê fazia nos sentir confortáveis nas noites frias. Logo que passei pelo portão, ouço um latido e barulho de patas pesadas no gramado. Era Azul, nosso pastor alemão que foi encontrado ainda filhote enrolado numa toalhinha da cor azul, mas num tom bem forte em dia de chuva (daí seu nome.). Mal consigo gritar seu nome e ele pula em mim e me derruba no meio das folhas secas do pé de amêndoa.

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