III

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Segunda-feira, tudo voltou ao normal. Meus irmãos, à exceção de Fred, tinham escola. Eu tinha trabalho. Dona Jô ficava em casa arrumando tudo. A única coisa nova era que, aos 21 anos, eu tinha me apaixonado por uma garota decente pela primeira vez. Ela também tinha escola cedo, então não a aluguei por muito tempo na noite de domingo, dia que é a única exceção da regra das 23:00. Trabalhava de 09:00 às 17:00, no Centro, como Analista de RH. Muito estresse, muitas ligações com reclamações dos funcionários da empresa, que não entendiam que o atraso no vale refeição não era culpa minha, e nem do financeiro, pra quem diziam querer ligar, e que não tinha permissão para dar o telefone de lá, e blá-blá-blá, a mesma coisa de sempre.

Porém, como depois de toda tempestade vem o arco-íris, por um milagre, peguei o ônibus com lugar pra sentar, e mal peguei no celular, mensagem de Diana:

"Meu bem, queria recompor aquela tarde de ontem com você todos os fins de semana. O dia de ontem me trouxe uma paz enorme, que eu quero todos os dias. Beijos, e bom trabalho. Quando chegar em casa me chama."

Com um pedido desses, quem recusa?

A semana se passou na mesma rotina. Acordar cedo, ir trabalhar, pegar o ônibus e ter mensagem de Diana, chegar em casa, tomar banho, comer, ajudar Dona Jô com as coisas e deitar pra conversar com Diana. Nessas conversas, descubro que Diana e o pai foram abandonados pela mãe, que os trocou pelo motorista da família. Ela é uma excelente aluna, com exceção nas línguas estrangeiras. É simplesmente apaixonada por ciência e quer mais que tudo na vida ser Física, daqueles que publicam suas matérias nas revistas e escrevem livros.

Muito diferente dos meus sonhos, é claro. Terminei os estudos aos 17 anos e já emendei no técnico em Administração. Fiz os dois anos, e consegui uma bolsa de estudos pra faculdade de Administração. Mal comecei, consegui um estágio, e como uma vaga surgiu, fui efetivado mesmo sem muita experiência. Isso tudo pra ir juntando dinheiro pra minha paixão: Música. Ainda vou ter uma orquestra em casa, toda tocada por mim. Quem sabe não seja só um hobby, que eu ganhe dinheiro com isso. Mas só quem sabe.

Sexta à noite já chegava a ansiedade de ver Diana novamente. Esperava outro momento ímpar, como o fim de semana anterior. Ela compartilhava da mesma ansiedade, mas tinha medo do pai dela botar algum obstáculo pra isso, já que tinha nos visto antes.

Desde que Diana havia chegado, tudo havia mudado em mim. Tinha mais paciência com os gêmeos, às vezes até dava comida ao Fred, e fazia caretas iguaizinhas às de mamãe.

— Você tá fazendo caretas de novo, Cadu.

— Não to não, mãezoca, to legal. Olha o aviãozinhooo...

Aquele que antes vivia cabisbaixo, agora vivia radiante. Conversava mais com Azul, falava até com Fred de vez em quando. Dona Jô gostava de me ver assim, feliz da vida. Só que andava ansiosa para conhecer a dona dessa felicidade toda.

— E aí, quando vai trazer Diana pra conhecermos?

— Assim que falar com o pai dela, mainha. Fique calma

— E vai falar quando?

Essa pergunta me matava. Toda vez que saía com Diana, via o velho me olhando pela fresta da janela, e não tinha ideia de quando iria falar com ele. Até que, umas semanas depois, no mesmo parque que ocorreu nosso primeiro beijo, Diana me avisa:

— Eu falei com meu pai sobre você.

— Sério? E o que você disse?

— Ué, disse tudo. Que nos conhecemos numa praça, você me levou pra tomar café e me trouxe até perto de casa, pra que não o afrontasse. Te dei meu número pra que conversássemos melhor, porque tinha algo na sua voz que me deixava bem. No outro dia, depois da briga que eu tive com ele, eu saí pra esfriar a cabeça, e pedi sua presença, porque você tinha me feito bem no dia anterior. Aí acabamos nos beijando...

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