IX

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Desde que Diana tinha voltado a estudar, nossas vidas ficaram muito corridas, quase não tínhamos tempo um para o outro. Ela ficou muito atarefada ao ser eleita a representante de sua turma e também a presidente do grêmio estudantil, enquanto eu tinha recebido outras tarefas além das minhas, temporariamente, pra suprir a falta de um funcionário que não havia sido substituído ainda.

Apesar de dormirmos juntos, só tínhamos contato mesmo um com o outro aos sábados, isso quando ela não tinha nenhum trabalho da escola ou um relatório pra entregar à direção da escola na segunda-feira. Em um sábado específico, decidimos ir à praça onde nos encontramos pela primeira vez. Sentamos no mesmo lugar e ficamos olhando com cara de bestas um pro outro, ouvindo a bagunça que as crianças faziam ao brincar.

— Mesmo depois de quase um ano, nada mudou aqui, não é? — Ela disse, olhando em volta por cima dos óculos.

— Pois é, na verdade, nada muda aqui, eu costumava vir aqui com dona Jô e as crianças.... — Percebo que ela parece distraída. — O que houve, tá tudo bem?

Sem que eu percebesse, sinto uma pessoa chega por trás de mim e escuto uma voz feminina dizer a ela:

— Até que enfim te encontrei.

Quando me viro para ver quem era, vejo uma senhora, que aparentava ter uns 37 anos, mais ou menos. Cabelos cacheados como os de Diana, mas loiros. Não era alta, era menor que eu, e parecia aliviada em vê-la. Era estranhamente parecida com Diana.

— Boa tarde, nos conhecemos? — Perguntei, tentando ser educado.

— Você eu não conheço, mas aquela ali eu conheço muito bem. É minha filha Diana.

Diana parecia não acreditar. Esboçou chorar, mas como morria de vergonha de chorar na frente das pessoas, engoliu o choro, e com ódio na voz, perguntou:

— O que você faz aqui? Papai faleceu há quase de cinco meses e você só aparece agora?

— Eu te procurei mas não conseguia te achar... Assim que soube da morte de seu pai, vim pra cá o mais rápido possível pra te ver, mas vi que a casa onde morávamos não é mais do seu pai, então tinha desistido de te procurar... Aí caminhando por aqui, sem querer eu te encontrei, que bom...

Ela veio abraçar Diana, que ainda estava sentada do meu lado, só que Diana se recusou a abraçá-la e levantou.

— Eu não vou te abraçar. Sai daqui, sai.

Eu não sabia o que fazer. Sentia que aquela briga não era minha, mas queria tirar Diana de perto daquela mulher. Quando ela percebe que eu não fui embora, vira para Diana e pergunta:

— E esse aí, quem é?

— Esse é Carlos Eduardo, meu namorado. E eu não te devo satisfações. — Vira pra mim. — Vamos embora, essa mulher estragou o passeio.

Fomos para casa, e eu não tinha nada pra falar. Ainda estava preocupado com Diana, achei melhor não falar nada. Fomos calados até o portão. Assim que passamos para dentro de casa, ela sentou no sofá e ficou olhando pro nada. Peguei um copo d'água e pedi pra que minha mãe, que estava na cozinha, subisse com Fred. Disse que depois explicava. Flávio ainda estava dormindo e Branca não saía do computador.

Sentei do lado dela no sofá e dei o copo na mão dela. Ela tremia com o copo na mão. Deu um gole na água e uma lágrima escorreu. Sua expressão de ódio parecia que ia quebrar o vasinho que fica em cima da mesinha de centro da sala a qualquer momento. Tomei o copo da mão dela, coloquei na mesinha de centro e peguei em suas mãos. Ela não me olhou, soltou minhas mãos, me abraçou, pôs a cabeça em meu peito e chorou. Chorava mares, e eu não pude falar nada. Não havia nada pra falar, só podia esperar que se acalmasse por si só. Quando vi que ela tinha se acalmado, que dos mares violentos de choro só tinham ficado as marolas de soluços, levantei sua cabeça e dei um beijo na sua testa. Não precisava falar mais nada.

Depois disso tudo, estávamos na sala vendo TV quando escutamos Azul latir. Eu fui ver o que era, e era a mãe de Diana. "Não é nada", gritei pra todos na sala, e fui atendê-la antes que chegasse ao portão.

— Com licença, não é com você que eu quero falar. Minha filha está aí e eu preciso falar com ela.

— Me desculpe, mas eu não vou deixar. Primeiro porque Diana não vai sair por não se sentir bem. Segundo, esta casa é minha e da minha mãe, e entra nela quem eu e minha mãe bem entendermos.

— Tudo bem então, eu volto outro dia.

— Não vai voltar não. Diana não está bem por sua culpa. Você a abandonou quando era pequena e, agora que o pai dela faleceu, quer voltar como se nada tivesse acontecido. Ela chorou a tarde inteira e só conseguiu se acalmar agora.

— Mas...

— Mas nada. Faça o favor de dar meia volta e sumir de nossa vida pra sempre.

— Ela é minha filha e você não pode me impedir de vê-la.

— Na verdade eu posso sim.

Eu sabia que ela voltaria. Ela desistiu muito fácil e com certeza arrumaria um jeito de descobrir onde moro. Então peguei uma cópia do testamento de seu Jaime, e abri exatamente na parte em que ele pede pra que não deixássemos que dona Vânia (a mãe dela) a visitasse, de maneira alguma. E que se ela chegasse perto, que chamássemos a polícia. Mostrei a ela e ela arregalou os olhos.

— Isso pode muito bem ser falso.

Mostrei a ela a assinatura de seu Jaime e o carimbo do cartório.

— Suma da minha frente antes que eu chame a polícia.

Ela virou as costas e saiu, vendo que estava de mãos atadas.

— Você ainda me paga, garoto.

— Vou esperar.

Quando me virei pra voltar pra casa, vi Diana na porta. Ela havia visto a conversa toda. Passei pelo portão, fiz um carinho em Azul, que tava deitado meio cabisbaixo, o que não era normal, e fui em direção a Diana na porta. Ela me abraçou e disse baixinho, com a boca perto da minha:

— Obrigada, meu bem. Amo você.

No dia seguinte fomos à praça novamente e essa mulher não estava lá. Rimos, brincamos e tomamos café, eu tomei meu café com leite e ela tomou o árabe dela, assim como no primeiro encontro. Fiquei aliviado por não encontrar com aquela mulher de novo, não quero que Diana sofra mais. Mal sabia, que quem sofreria nos dias que se seguissem, seria eu.

;֑GJ


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