Capítulo 3

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Capítulo 3

Quando Anita acordou, Ivan já havia saído, tal como no dia anterior. Então ela abriu os armários e foi arrumar sua mala. Iria para longe de Ivan. Para longe de seus pais. Para um lugar estranho. Mas, incrivelmente, não sentia medo. A família de Ivan cuidaria dela. E se eles fossem como ele, ela estaria segura. E de qualquer forma, assim que Ivan passasse no vestibular – ela rezaria todas as noites para que isso acontecesse – ela voltaria. Mesmo que ele não quisesse, ela voltaria e lutaria por ele.

Passando os olhos em seu enorme armário, abarrotado de lindas e caras peças, algumas de famosos estilistas, ela se perguntou sobre o que seria adequado levar. Enquanto considerava o assunto, sem a menor dúvida, colocou a vitrola portátil que ganhara de aniversário numa grande sacola junto com o único vinil que lhe restara inteiro: Nara Leão. Manhã de Liberdade, de 1966. Sua música favorita era a primeira, a Banda.

Lembrou com saudades dos discos de Caetano e Chico Buarque que costumava escutar. E de sua cantora preferida: Elis Regina. Desses, entre outros, só restauram fragmentos negros de vinil, que ela colocou no lixo no dia anterior. Caetano e Chico estavam censurados. Era uma pena...

De repente, decidiu que não importava. Para que se preocupar com roupas? Ivan não estaria lá... Jogou qualquer peça na mala até lotar todo o espaço disponível, tentando selecionar as mais simples. Em pouco tempo, tudo ficou pronto.

Pegou um bonde e seguiu para a rodoviária. Depois, seu destino seria o colégio. Queria se arrumar, estar produzida, para que Ivan se lembrasse dela com saudades. Mas era obrigada a usar o uniforme do colégio agora misto (há apenas dois anos permitia garotas e garotos na mesma classe). Caprichou então nos cílios postiços, moda da época, e na maquiagem ao redor dos olhos. Nos lábios, optou por um batom clarinho. Colocou uma faixa larga branca sobre o cabelo, deixando-os solto nesse dia. Mais prático. Dessa vez, dispensou a peruca, outro item quase obrigatório entre as mulheres da época.

Com a passagem comprada, rumou à escola. Seu turno era o da tarde, mas certamente encontraria Ivan na biblioteca. E lá estava ele, num cantinho quase oculto da biblioteca, na mesa atrás da última prateleira. Em silêncio, trocaram sorrisos e ela sentou-se em sua frente com um livro nas mãos. Não queria atrapalhá-lo e então fingiu se concentrar em sua própria leitura, quando na verdade não prestava atenção em nada além dele. Protegida pela capa do livro, subia os olhos discretamente e observava o rosto de Ivan. Seu nariz reto e masculino. Um belo nariz. Seus olhos negros. A curva de seu maxilar. Seu peito largo e forte. Tudo a fascinava.

Ivan percebeu Anita chegar e a deixou sentar em sua frente inicialmente sem nada dizer. Estavam em uma biblioteca e ali a exigência de silêncio era severa. Não podiam conversar. Com os cantos dos olhos, percebia-a olhando para ele. Ela estava deslumbrante e Ivan logo concluiu que nunca conhecera ninguém tão bela. Com ela em sua frente, era impossível se concentrar.

Ivan se inclinou e rasgou uma folha de seu caderno, rabiscou algo, entregando a ela.

"Comprou a passagem?" – era a pergunta do papel.

Ela recebeu o recado com um discreto sorriso. Não conseguia parar de sorrir perto dele.

"Sim. Para de noite." – ela respondeu, se esmerando na caligrafia. Ao devolver a ele, tocou propositalmente em sua mão. Ivan aceitou o contato com um leve sorriso. Normalmente, ele era sério e carrancudo, mas Anita arrancava seus sorrisos com facilidade.

"Quer namorar comigo?" – ele devolveu o papel, decidindo arriscar, e a encarou com firmeza.

Ela o recebeu com uma expressão marota. Passou o lápis pelos lábios de maneira provocativa, como se fingisse pensar. E então escreveu:

A força de Anita (completa)Onde histórias criam vida. Descubra agora