Capítulo 1 - teaser

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Debaixo do bloco. Fui pra debaixo do bloco como sempre fazia quando precisava de um tempo só. Era sexta à noite e eu tava inquieto. Apesar de não ter nada de especial naquele dia, eu não conseguia deixar de pensar. Será que tinha chegado a hora? Escutei barulho de passos e me inclinei um pouco pra conseguir ver atrás da coluna se era alguém conhecido. Não. Não era ninguém. Pensei em minha vida e em como as coisas estavam mudando. Em como estava cada vez mais difícil de segurar.

Esse era meu lugar predileto. Debaixo do bloco eu tinha encontrado uma pilastra que me escondia de tudo e de todos. Depois do meu bloco não havia mais nenhum, essa pilastra ficava de frente pras árvores que formavam um quase bosque no final da minha quadra. Era o meu santuário. Olhei pras árvores e pensei que aquela poderia ser só mais uma sexta. Que era só eu manter o que vinha fazendo até então e nada aconteceria. Eu olhava pro bosque e de longe eu conseguia escutar os barulhos dos carros. A vida tava acontecendo ao meu redor e eu tava ali, parado. Que medo era aquele? O que me prendia? Eu não tinha nenhuma resposta ainda, mas sentia que minha vontade finalmente tinha superado meu medo. Sabia que alguma coisa de diferente tava pra acontecer. A gente sempre sabe.

Me levantei e subi pra casa. Fui direto pro meu quarto, deitei na minha cama e abracei meu travesseiro, pra me ajudar a pensar. Eu bem que podia deixar essa vontade passar e ficar em casa vendo televisão, como eu sempre fazia. Ficar na segurança, no conforto do lar. Eu podia fazer isso. O problema era só que eu não conseguia fazer isso. Não mais. Peguei meu celular e mandei uma mensagem, torcendo pra que ele estivesse online.

"Oie! Td bem?"

Parece que aquele era meu dia de sorte, pois ele logo me respondeu.

"Opa! Tudo bem, querido! E vc?"

"Tudo ótimo! Eai? Planejando algo pra hj a noite?"

"Ih, gato. Hoje nada. Hj vou ficar em casa pq amanhã tenho trabalho cedo."

"Mas... Num sábado?"

"Pois é. Às vezes nem eu acredito que trabalho aos sábados... Mas faço plantão lá na escola uma vez por mês. Tenho que estar lá às 7h30 da manhã pra tirar dúvidas."

O Victor era professor de uma escola famosa daqui de Brasília. Ele dava aulas de inglês pros alunos que se preparavam pro vestibular. A gente se conheceu pela internet, mas nunca tinha se visto ao vivo. Ele era mais velho, já tinha mais de trinta anos. Apesar da diferença de idade, a gente se dava bem e conversava sobre muitas coisas. Eu tinha um perfil num site de encontros online, só que eu nunca tinha me encontrado com ninguém. Na verdade, todas as minhas informações eram inventadas. Acho que pra mim, a única forma de vislumbrar ter uma vida normal era criando outra bem diferente da minha. Eu chegava a sonhar, de vez em quando, que vivia numa realidade paralela. Que morava bem longe de Brasília, num país onde ninguém me conhecesse, tipo Alemanha ou Austrália. Algum lugar onde ninguém que eu conhecesse pudesse me encontrar. Mas eu sempre voltava pra realidade. E aqui, na minha vidinha, me contentava em conversar com estranhos pela internet. Quer dizer, até aquela sexta.

"Que pena, amigo. Hoje resolvi aceitar seu convite. Queria conhecer a tal da boate... Qual o nome mesmo?"

"Ah, a SpiceClub? Poxaaaa, você vai adorar!"

Me animei um pouco.

"Então vem comigoooo! Vamos nos conhecer ao vivo, dançar, se divertir... Vamos? :)"

Mas ele.

"Ai, querido... Que pena, mas hoje não vai dar mesmo."

E eu.

"Hum. Acho que vou mesmo assim. Onde é? ;)"

Anotei o endereço e fui me arrumar. Banho tomado, roupa bonita, perfume. Antes de sair, fui ao banheiro, lavei meu rosto e me olhei no espelho. Que frio na barriga! Eu tava com medo de verdade. Ainda dava tempo de ficar em casa, ver tv e dormir. Se fizesse isso nada ia mudar. Continuei a olhar minha imagem no reflexo do espelho. Estava tudo igual, cabelos, olhos. Mas aquele no espelho era outro. Sabe quando a gente encontra alguém na rua e não sabe onde você já viu aquela pessoa? No espelho, eu via alguém que eu já tinha visto antes, mas sem lembrar de onde. Eu via que, por trás daqueles olhos conhecidos, alguém gritava comigo, como que me desafiando a ignorar o medo e o frio na barriga e ir.

Saí do banheiro e caminhei em direção à porta. Conferi a chave do carro, carteira e chave de casa. Tudo certo. Gritei pra minha mãe que eu ia visitar uma amiga e ela me gritou de volta que era pra eu ter juízo. Saí de casa.

Peguei meu carro e fui. Fui dirigindo, prestando atenção nas árvores, na lua. Eu amava aquele carro. Tinha ficado super feliz quando ganhei ele de presente dos meus pais. Eu amava meu carrinho usado, de duas portas e sem nenhum acessório. Como meu pai gostava de dizer, ele vinha equipado só com um volante e quatro rodas. Não tinha nem rádio, o que muita gente podia considerar um problema, mas não eu. Nunca achei silêncio uma coisa ruim. Acho que ele incomoda tanto por que faz com que as pessoas escutem seus próprios pensamentos. Na verdade, acho que as rádios servem mais pra gente descansar um pouco da nossa cabeça que pra escutar músicas. Mas era isso. Lá estava eu, com meu volante e rodas, começando minha jornada. E o silêncio me deixava antecipar cada parte daquela noite. Como seria a boate? E as luzes? Mais importante, quem eu encontraria lá? É, um urso polar ia achar minha barriga confortável naquele momento.

Machos AlfaOnde histórias criam vida. Descubra agora