Prólogo.

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Ele me analisava mais uma vez. Com a caneta no punho, o papel sobre a mesa esperando eu falar.

Desta vez, resolvi ficar sentada, e não deitada. Minhas mãos unidas uma na outra, fazia com que eu me distraísse e não olhasse em sua direção. Meu vestido preto que ficava acima no joelho às vezes subia quando eu mexia minha perna desconfortável no sofá do seu consultório.

- Não vai falar de novo? - perguntou por fim.

Era sempre assim, essa mesma pergunta no final de quase toda sessão. E eu simplesmente balançava a cabeça negando.

- Não - dessa vez murmurei.

De canto do olho eu o vi arregalar os olhos, pois não era acostumado a ouvir essa resposta, muito menos a minha voz.

- Vejo que resolveu responder essa pergunta. Além do seu nome, ou as nossas despedidas, Alicia.

Meu nome em sua boca fazia sentir coisas por todo meu corpo. Era como se ele tivesse um imã que me chamasse para ele. Essa sensação me assustava todas as vezes que ouvia ele falar comigo, todas as vezes que eu o via.

- Essa é sua última consulta não me sinto feliz - revelou dessa vez o olhei - Não me olhe assim, sinto que não fiz um bom trabalho. Olhe para você, faz dois meses que chegou a meu consultório e nunca falou sobre o que te trouxe até aqui. Podemos alongar as sessões.

- Não! - respondi rapidamente - Quer dizer, esses dois meses foram bons para mim.

Ele me olhou confuso, se inclinou sobre a cadeira me olhando mais atentamente.

- Você é diferente - murmurou.

Pela sua voz, notava-se que já estava cansado. Não o julgaria, pois era sua última paciente em uma tarde de sexta-feira. Eu o via nesse mesmo dia nos últimos dois meses. Desde que cheguei a Toronto sabia que precisava falar com alguém. Então procurei uma psiquiatra, e o seu nome era o mais citado.

Quando cheguei a sua sala no primeiro dia, fiquei surpresa com sua aparecia. Dr. Henry era lindo, uma beleza visível. Em todas as sessões eu me esforçava a esculta-lo, já que não gostava de falar sobre meus problemas. Quando o vi ali, fiquei com vergonha de contar o que passei, parecia besteira.

Meus traumas vieram da pessoa que eu mais amei, e que infelizmente tinha me deixado há um ano, sua partida fez com que eu me mudasse de cidade. Minha mãe tinha ido, mas tinha me deixado com marcas profundas. Com conflitos internos, perguntas que me atormentavam.

- Então era esse o seu plano? - o olhei confusa enquanto ele sorria ironicamente - Você pagou todas essas consultas para ficar me escutando? Ou você é tão solitária quanto aparenta?

Aquela pergunta me acertou em cheio. Solitário era algo que eu sabia ser, que estava impregnado na minha alma, meu mundo cinza sabia bem o que era a solidão. Mas nunca reclamei disso, na verdade, as vezes eu amava todo o silêncio que a solidão me trazia.

Levantei-me do sofá quando olhei para o relógio e vi que já passavam das 17h00min, pela a primeira vez tínhamos ultrapassado o nosso horário, a nossa pequena hora juntos.

Vi seu corpo se levantar da sua cadeira confortável, em segundos estava na minha frente. Meu coração acelerou, não sabia o que acontecia quando chegava perto desse homem. Era uma intensidade insana, sabia que ele não tinha compromisso com alguém, pois tinha olhado para sua mão discretamente em umas das sessões anteriores.

Nunca tinha me envolvido com um homem mais velho, e quando estava no mesmo ambiente que ele, essa possibilidade parecia uma boa ideia, já que ele tinha alguns anos a mais que eu.

- Obrigada- murmurei - Por tudo.

Ele pegou na minha mão antes mesmo que eu me virasse, eu o estudei atentamente. Aquele toque nunca tinha acontecido entre nós.

- Como eu disse em outras sessões, você deve viver e não sobreviver, Alicia - a sua voz rouca me atingiu inteiro, sua mão colocou um fio solto do meu cabelo atrás da minha orelha, me fazendo tremer - Qualquer dia, quando você quiser falar, volte para conversar comigo, ficarei feliz de ouvi-la - ele se aproximou mais, fazendo-me querer ficar mais afastada, pois ele me afetava muito - Você é diferente - murmurou novamente, dessa vez passou a mão pelo os meus lábios me fazendo arrepiar - Isso é tão antiético- murmurou para si mesmo.

- O quê? - perguntei sentindo a voz trêmula.

- O que eu vou fazer!

Quando suas palavras saíram da sua boca, eu sentir seus lábios colarem ao meu. Sentir o mundo que até minutos atrás eu declarava cinza começar a brilhar um pouco. Surpresa, sem reação, com o corpo mole por sua iniciativa, deixei sua boca brincar com a minha por alguns minutos, até ele mesmo se afastar.

Com as bochechas rosa, botei minhas mãos nos lábios para saber se era real aquele formigamento que existia ali. O olhei sem saber o que falar sentir seu corpo tenso, envergonhado.

E assim ele se afastou. Ajeitando a gravada, limpando a garganta ao mesmo tempo olhando para mim, sabia que ali era a nossa despedida.

- Adeus, Alicia.

- Adeus, Dr.Henry - murmurei.

***


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