ALÉM DA CERCA

SETE

Tom estacionou o carro na terra cortando a estrada com o terreno entre as colinas. Todos desceram anestesiados, boquiabertos e sentindo a sensação de nunca mais serem livres novamente.
- MAMA! - Tom gritou e andou a passos rápidos em direção ao casebre. - NATCHO! MAMA ABIGAIL!
Katherine seguiu o marido com os filhos a acompanhando. O homem entrou na casa quando o caseiro estava tentando girar a maçaneta da porta.
- Tomas? - disse o caseiro, assustado demais para encarar Tom com indiferença. - Vocês não estavam saindo da cidade? O que aconteceu?
- Estávamos. - confirmou Tom. - Se essa maldita cidade deixasse! Olha só Natcho, minha família e eu só queremos um pouco de paz depois desses dias infernais que passamos aqui! Essa Merda de cidade não quer nos libertar! O que está acontecendo? Por que não conseguimos ultrapassar os limites?
Natcho poderia escutar todas as reclamações de Tom, porém Mama Abigail teria uma resposta bem mais sucinta do que a dele.

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Mama Abigail sabia que os espíritos tinham tratado de fechar um portal para que os Hytton não saíssem da cidade. O único jeito que ela encontrara de achar uma resposta para aquilo era novamente fazer uma conexão. Dessa vez ela precisaria explorar seu dom de forma complexa e detalhada, como se dedilhasse uma linha em pontos concêntricos, ajustando conforme seus instintos pediam. Sangue. Era a única maneira. Se ela tomasse amostras do sangue de Tomas Hytton e realizasse uma sessão de conexão, com certeza ela enxergaria coisas explicativas.
Mama Abigail cortou dois dos dedos de Tom, deixando algumas gotas de sangue pingarem em um vidro com cera. As gotas avermelhadas tocaram a cera e deslizaram pelo conteúdo do frasco. Mama Abigail tomou uma vela para si e tocou com a chama no sangue opaco na cera. O frasco refletiu com as chamas dançando em seu interior. Logo se fez um notório contraste do sangue com o fogo azulado.
- Aqui - ela lhe estendeu as mãos e ele as segurou. Mama apertou-as e segurou-as acima das chamas, mais ou menos quinze centímetros acima delas. - Respire. Tente não deixar sua mente agitada. Pode interferir na conexão.
Tom respirou. Fechou os olhos assim como ela. Ele sentiu uma lufada de ar e abriu os olhos, repuxando as mãos. O coração saltado como nunca. Mama Abigail o olhou com reprovação, tomando novamente as mãos do homem para si.
- Querido, a conexão não funcionará se não houver concentração de ambos os conectados. Estou com você, assim como sua esposa e filhos. Todos nós. - ela segurou firme de novo as mãos de Tom nas dela. Respirou fundo. - Vamos lá.
A lufada de ar veio de novo e Tom segurou o amargo gosto macabro na boca quando luzes brilharam no interior dos seus olhos e suas mãos queimaram e se anestesiaram com a temperatura das chamas contra a pele. Era como se o sangue dele queimando no pote retornasse para seu corpo através do calor do fogo.
Então Mama Abigail enxergou...

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A mulher de seios fartos tomou uma bebida no balcão do bar e piscou para um cavalheiro que beirava a um visível senhor nobre da corte. Ele a devolveu o olhar quente e amistoso.
Ela não tinha percebido a hora que ele se aproximou dela, prometendo todas as bebidas que ela ousasse tomar durante a noite. Pagaria então um quarto de hotel no the ship's e tentaria transformá-la na mulher mais feliz do mundo.
O homem não chegava à meia-idade. Na verdade o bigode curvado e o terno bem apresentável dava-lhe um ar mais pueril, porém nada extravagante. Ela tinha se apresentado como Ranette Castilla e aos poucos ele soube que pela pronúncia do seu nome ela seria escocesa, lembrando da voz sussurrante de uma mulher de seios fartos (não mais fartos que os de Ranette) nos ouvidos, enquanto estavam na cama.
"E como chama o cavalheiro que rouba corações?" Perguntou Ranette, escostando o lábio na ponta da orelha do homem.
"Então sou um ladrão, não um cavalheiro." Respondeu ele, causando uma risada noa lábios dela. Então ela o beijou.
Depois de uma hora com Ranette na cama ele a revelou. O cavalheiro ladrão se chamava Salazar Hytton. Ela tentou não deixar-se impressionar. Uma vez tinha ouvido claramente entre as tabernas que essa família alcançava a nobreza da cidade há muito e Salazar Hytton em especial vivia em bares e prostíbulos, decaindo a imagem de nobre que o pai estendia há tempos. Mas foi só dois anos depois da esposa morrer que Salazar encontrou Os Irmãos, um grupo formado por sete pessoas que transformavam sombras em luz e luz em sombras, morte em vida e vida em morte. O estado depressivo e a desilusão de Salazar o levou a entrar para o grupo. Então a ceita o tomou. Tomou sua alma e o que ele tinha de nobre. Tomou suas esperanças e títulos de conde, tomou sua facilidade de conquistar mulheres. Ele era da ceita e assim ficou decidido.
Então com um tempo ele acabou sentido pela falta de mulheres em sua cama. Então procurou Ranette, que relutou em deitar com ele novamente. E assim ele sabia que mesmo involuntariamente tinha devolvido o coração que ele tinha roubado dela. Não era mais o cavalheiro ladrão.
"Você quer matar alguém, a ceita mata por você." Dizia Os Irmãos.
E foi assim que encontraram Ranette envenenada com algo que a perícia nunca soube explicar. Porém o padre local havia dito que as marcas de cruz nos olhos da mulher eram obras satânicas e impossíveis de serem analisadas pela medicina.
Salazar Hytton queria sua alma de volta depois de um tempo, porém o líder prometeu-lhe entregar sua alma de volta se ele desse o nome de sua família para a ceita. A linhagem futura seria da ceita, em troca Salazar teria sua alma de volta e suas conquistas renovadas. Ele não pensara duas vezes. Abriu mão e aceitou.
Teve uma época que Salazar desejou ter um filho com uma linda mulher por quem se apaixonou. A criança nasceu. A linda garotinha foi mandada para longe por Salazar. A ceita nunca encontrou a linhagem Hytton novamente, porém garantiu a morte de Salazar e o destino de sua alma aos infernos pela eternidade.

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Mama Abigail despertou e Tom fez o mesmo. As chamas se apagaram e o sangue havia evaporado.
- Então? - perguntou ele. - esclareceu?
Mama Abigail ainda tentava digerir tudo aquilo:
- Sim. - respondeu ela. - perfeitamente.

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A noite veio pálida suficiente para determinar a escuridão do mundo todo naquele espaço entre as colinas.
Natcho passeava nos terrenos enquanto Tom terminava a conexão com Abigail e Katherine e os filhos estavam nos aposentos. Ele se aproximou de um arbusto com os olhos esverdeados olhando de um lado a outro. Chegou a um ponto iluminado.
- Então, está tudo pronto? - perguntou ele para alguém. Um homem de braços cruzados. - Essa é a hora.
- Às suas ordens, líder. - o homem encarou Natcho com um sorriso ardente. - O senhor recebeu tantas almas nesse lugar por tanto tempo que é difícil aceitar que a ligação com os Hytton acaba aqui.
- Já era hora. - respondeu o caseiro. - Chamem Os Irmãos. Massacrem aquela família, inclusive Mama.
- Mama Abigail? - o homem estranhou.
- Sim. Ela não está mais do nosso lado há algum tempo. Esse foi o único motivo para que eu a trouxesse até aqui.
Os dois sorriram e seus olhos ficaram tão negros quanto a noite.
- Somos Irmãos e a ceita é nossa família! - disseram em uníssono.