E Deus enfrentou Lúcifer com amor. O satanismo impregnado no mal cheirava a ódio rançoso e puro. Mas isso não corrompeu o poder de Cristo...
+ + +
A caminhada começou quando a noite pareceu uma eternidade em meio a tantos períodos de escuridão. Natcho os levaria para o casebre e terminariam o que tinham que fazer. A ceita pedia por almas e era isso que estavam prestes a realizar.
Elisabeth caminhou ao lado do caseiro demônio, o olhar astutamente resignado e as mãos quentes como brasas atiçadas numa tarde de inverno. Outros cem vinham logo atrás. Vinham pela escuridão do campo aberto. Tinham saído da cerca, dos túneis que circundavam o vale ao seu redor.
Passo a passo, num silêncio grotesco e arrepiante, eles se aproximavam...+ + +
Mama Abigail os viu de alguma maneira. Não soube dizer se fora num sonho rápido durante um cochilo de cansaço ou se numa visão temporária lhe afligindo a mente.
- Todos para baixo! - ordenou, com comando alto. - No sótão! Não saiam de lá!
- O que está acontecendo? - perguntou Katherine. - Você sabe de algo?
- Eu já disse! Vão para o sótão e não saiam de lá até que eu dê autorização! - voltou a ordenar, apontando para depois do quarto aos fundos.
- Eu ficarei. - disse Tom, que vinha da cozinha. Tinha visto pela janela uma centena de pessoas caminhando em direção ao casebre. Sabia exatamente o que eram. - Ficarei com Mama aqui. Kat, leve Pat para baixo! Rápido!
- Elisabeth! - chamou Katherine e de repente Mama falou:
- Ela é uma deles! Tarde demais! Foi parte do plano.
Katherine olhou com o coração acelerado para fora e respirou com dificuldade algumas vezes. Mas não pôde ficar ali por muito tempo, tinha que salvar a vida do filho e a sua própria vida. Certamente Mama Abigail sabia o que estava fazendo.
A mulher desceu as escadas após cruzar o quartinho aos fundos com o filho. Bateu a porta com leveza e a trancou.+ + +
Mama e Tom Hytton se entreolharam, buscando, mesmo que restasse pouca esperança, uma nesga de confiança um no outro.
- Estamos juntos, querido. - disse Mama. - Talvez eu pague pelos erros que cometi no passado acreditando em Natcho, na ceita, no mal. Porém você e sua família não têm nada a ver com isso.
- Talvez paguemos. - devolveu ele, sentindo um nó na garganta e o pálido sentimento de insegurança beirar ao medo.
Ouviram então sussurros e vozes chegaram num minuto eterno. Então eles correram para um quarto aos fundos.
- O que está fazendo? - perguntou Mama Abigail para ele assim que atravessaram o quarto com quadros em molduras desgastadas e móveis velhos cheirando a mofo.
- Agora lembro. - disse Tom. - Tudo está voltando aos poucos. Estou lembrando de quando estive aqui pela primeira vez. Meu pai. Ele podia até ser um alcóolatra filho da puta, mas ele ia a bares negociar preços de armas de caça. Eu o vi entrar com armas carregadas muitas vezes aqui e escondê-las em um baú num fundo falso. - Tom acendeu a luz e afastou os móveis que atrapalhavam o caminho. Descobriu um alçapão antigo com tampa de baú, jogando o tecido empoeirado para trás.
Mama Abigail tossiu e torceu para que ele fosse o mais rápido possível. Tom abriu o baú e de repente sua infância e seus temores vieram à tona. Estavam ali as armas. Todas elas. Todas que o pai guardava para caçar animais, com cartuchos jogados em um saco médio de pano.
Ele tomou uma delas nas mãos, uma escopeta escocesa com pintura militar. Tinha a numeração raspada por exatamente saber que o pai comprava por contrabando. Deu para Mama Abigail uma pistola semiautomática e a viu olhar para a arma com o cenho franzido e ele percebeu que ela nunca tinha pegado em arma alguma na vida.
- Eu não posso... - ela resmungou e tentou devolver.
- Não temos outra opção! - retrucou Tom, levantando e saindo do quarto. - Esses desgraçados vão se arrepender de tudo isso!
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ALÉM DA CERCA
HorrorUma família decide ir morar em uma cidade distante depois que recebe ordem de despejo e é ajudada por um amigo. Diante de todos os problemas nada chegará perto do que tem além da cerca entre duas colinas sombrias. Talvez eles descubram ou morram ten...