Suco de Maçã

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Aqueles Seus Olhos Azuis

Capítulo II - Suco de Maçã

Dave arrastou-se para a cozinha depois disso, com a intenção de beber um copo de água para molhar a garganta, que ao ler aquela mensagem, ficara seca.

No caminho, o loiro acabou pisando em um dos smuppets do irmão e produzindo um chiado, mas não se importou. Não se importava mais com nada.

"Eu não sou um homossexual", aquelas palavras ecoavam em sua mente como um disco arranhando, tocando na voz de John, aquela voz levemente esganiçada de rapaz em fase de muda, que ele às vezes suspeitava que o amigo conservaria durante o resto da vida. Amigo? Eles ainda eram amigos? Bem, Egbert com certeza ainda o considerava seu best bud, mas Dave duvidava que conseguiria continuar a agir normalmente perto dele a partir de agora. Como iria lidar com o fato de falar com John todos os dias, de sair com ele, de ser alvo de suas pegadinhas, rir de suas piadas e fazer raps doentes com ele, sempre sabendo que jamais faria nada com ele além disso? Como levaria a vida normalmente agora, com a absoluta certeza de que jamais poderia sequer segurar a mão do garoto que amava sem ser repelido, que os abraços não seriam os mesmos, que seus lábios seriam sempre inalcançáveis?

Dave abriu a geladeira e, na falta de água gelada, pegou uma garrafa de suco de maçã. A abriu e tomou alguns goles, até pousar a garrafa pela metade na bancada, apoiando-se na mesma. Um suspiro comprido escapou de seus lábios, e ele mordeu o inferior. O nó na garganta apenas crescia, junto com a sensação dolorida em seu peito, como se algo dentro dele estivesse se quebrando, os cacos ferindo seus órgãos e paredes internas. Ele cobriu o rosto com a mão livre, então, dando um soluço. O gosto do suco em sua boca tornava-se amargo a medida que ele associava a bebida á John; lembrava de uma discussão que haviam tido há muito tempo, sobre um dos filmes favoritos do moreno, em que o personagem principal batizava um copo de suco de maçã ou algo assim.

O loiro apertou o vidro em sua mão com tanta força que achou que este se partiria. Outro soluço acabou por escapar, e quando ele percebeu, as lágrimas rolavam por seu rosto e ele mal conseguia controlá-las, e o quanto mais as tentava secar, mais elas pareciam surgir.

Não se importava se estava chorando alto demais. Não se importava se acordaria seu irmão ou a vizinhança toda. Só queria que aquela dor passasse, que ele pudesse esquecer aquela paixão que só ardia e doía, queria voltar a olhar John como um amigo. Só isso, era pedir demais?

Ele deu um soco na mesa e as pernas bambearam. Ele sentiu uma presença ao seu lado, e ao virar a cabeça, achou ter visto o vulto do irmão abraçado a Lil Cal, seu fantoche favorito. Era difícil distinguir imagens através das lágrimas, mas o cabelo arrepiado não o enganava.

Ele sinceramente esperou que o irmão mais velho se preocupasse com ele, pelo menos uma vez na vida. Sinceramente esperou que ele se aproximasse e lhe desse um abraço, no mínimo isso. Ou perguntasse por que ele estava chorando.

Mas não, nada aconteceu. Seu irmão, parecendo não se comover, apenas deu meia-volta e retornou ao seu quarto, e Dave tinha certeza disso por causa dos passos ecoando pelo corredor. Mais frustrado que nunca, ele agarrou a garrafa de suco de maçã e a jogou com força, fazendo-a explodir contra a parede com um barulho alto. Os cacos de vidro voaram por todas as direções, alguns menores cortando de leve seu rosto. Mas, que diferença fazia? Se seu peito já queimava, o que algumas ardências pelo rosto poderiam mudar? Ele merecia até mais. Pela esperança boba de que seu melhor amigo teria uma reação positiva à sua declaração, ele merecia a dor. Merecia sofrer. Por ser um idiota maricas, por ter escondido aquele amor por puro medo, por não ter contado mais cedo e antecipado tanto sofrimento, por ter sido um covarde e um ingênuo, ele merecia toda aquela dor e mais. Ninguém se importava com ele, nem mesmo seu irmão; e ele entendia isso. Seus joelhos fraquejaram e ele foi ao chão. Abraçou-se, curvando-se sobre si mesmo, chorando ainda mais forte. Ele não teria John para si. Ele estava destruindo a cozinha às três e tantas da manhã e ninguém ligava. Ele não tinha com quem conversar, porque jamais contara a ninguém e muito menos deixara transparecer que gostava de garotos. A quem recorreria agora? Rose? Tentaria o psicanalisar. Jade? Mandaria algumas carinhas tristes e ficaria por isso mesmo. Seu irmão? O chutaria de casa.

Dave fora rejeitado e se sentia como lixo. E não tinha sequer onde se esconder.

*~*

Quando amanheceu, Dave já parara de chorar. Decidira limpar o sangue do rosto, e foi com asco que encarou a própria imagem no espelho. O rosto estava inchado e vermelho, haviam bolsas embaixo dos olhos e pequenas marcas de cortes aqui e ali. Por sorte, nenhum atingira seus globos oculares ou a garganta. Após lavar o rosto, o sabonte causando uma ardência leve nos machucados, o loiro se apoiou na pia e suspirou. Bem, e agora?

E agora, levaria a vida como sempre, seu subconsciente respondeu. Não adiantava de nada chorar por Egbert ou mudar a maneira de agir perto dele, afinal, o moreno não a mudaria, mesmo sabendo que Dave tinha uma queda nele. O máximo que poderiam fazer, agora, era fingir que nada acontecera. Não seria fácil, é óbvio, mas quem tiver outra ideia melhor, que levante a mão. Ninguém? Então seria isso mesmo.

Strider trocou de roupa lentamente, e seguiu para a cozinha. Seu irmão mais velho substituíra o boné laranja por um lenço, e varria a cozinha, jogando em uma pá os cacos de vidro que o menor espalhara pelo local. Na parede, uma mancha enorme e amarelada denunciava onde a garrafa se quebrara. Dave chegou a se sentir culpado por alguns segundos, então simplesmente deu de ombros. Se Bro não havia reclamado, então ele não deveria se preocupar com aquilo.

Ele se sentou junto à bancada, ao lado de Lil Cal, servindo-se de cereal e leite. Por um certo período de tempo, os únicos sons presentes na cozinha foram a mastigação do Strider mais novo e a vassoura roçando no chão, até que este segundo parou abruptamente e houve um suspiro. Dave ergueu o rosto, e seu irmão ajeitou os óculos escuros de extremidades pontudas.

-Humm, fala aí,pirralho. –ele deu um sorriso torto- Conta pro teu Bro o que aconteceu ontem.    


Aqueles Seus Olhos Azuis (JohnDave)Where stories live. Discover now