VI

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               - Macho, que diabéisso? – Alípio caminhava pelo solo preto, sentindo um cheiro insuportável de queimado.

               Os dois amigos retiram seus estilingues das sacolas e as soltam no chão. Adam ajeita seu chapéu e pega a primeira pedra que vê no chão para armar seu estilingue. Alípio avista a casa mais à frente, com uma das paredes derrubada.

               - Isso não foi o calango nem a pau – disse Alípio.

               - Rapaz, foi o fogo do Senhor por terem quebrado a capela – disse Adam, disfarçando seu medo. – Preciso mijar, ó.

               Quando chegaram na casa, perceberam que não só a parede, mas o lado de dentro estava destruído, com móveis quebrados, vidro no chão, cadeiras partidas. Não havia ninguém. Ao saírem da casa, seguiram para o seu outro lado, e se depararam com algo que nunca haviam sequer imaginado.

               - Valameudeusdocéu – sussurrou Alípio, com voz aguda e se benzendo.

               Havia um animal enorme deitado no chão, em volta de um solo completamente carbonizado. O animal dormia, e sua respiração podia ser sentida pelos garotos a alguns metros dali. Era uma mistura de lagarto com cobra, porém do comprimento de um avião. Possuía asas com membranas parecidas com a dos morcegos, e uma pele escamada de um vermelho que brilhava com a luz do Sol. Sua cauda mexia-se levemente enquanto a criatura roncava alto. Era incrivelmente belo e assustador.

               Os dois amigos pararam. As pernas magras dos dois se tremiam levemente, enquanto as atenções eram voltadas totalmente para o animal.

               - Adam, bora pegar o beco – sussurrou Alípio.

               - De repente passou até a vontade de mijar.

               Eles viraram para trás e começaram a andar lentamente, a fim de não fazerem barulho, quando viram Solonildo se aproximando. Os dois amigos, desesperadamente, sinalizaram para o menino voltar. Entretanto, Solonildo, com sua mão no bolso, aproximava-se de uma forma esquisita.

               Ele sumia e aparecia cada vez mais perto.

               Quando o menino chegou próximo aos dois amigos, ele sumiu e apareceu mais próximo da criatura.

               - Macho, o que diabo tá acontecendo? – sussurrou Adam.

               - Adam, o pivete vai acordar o bicho! – Alípio cutucou Adam, apontando para Solonildo. – Eu sabia que tinha algo de ruim com esse menino.

               - É, eu também sabia. É. – Disse Adam, fingindo confiança. – E essas mágica dele são coisa dos estadozunido. Tenho certeza absoluta.

               - Vai andando devagarinho, no saltinho, na maciota – sussurrou Alípio, andando para trás e puxando Adam.

               Ouvindo o colega, Adam começou a andar, quando Solonildo dá um grito, acordando o animal e chamando a atenção dos garotos.

               - Uri tonha! Olha a baitolagem do menino! – gritou Adam, surpreendido pelo grito.

               A criatura abre os olhos lentamente, mudando a cadência de sua respiração. Ela percebe que Solonildo está do seu lado e continua calma, olhando para os garotos. O menininho aproxima-se do animal e toca em sua cabeça, acariciando-o.

               - Dá pra contar a verdade agora? – Alípio gritou para Solonildo, que olhava apenas para o animal.

               - Não é óbvio? – O menino continuava a acariciar a criatura. – Eu trouxe meu amigo para deixar mais fácil uma tarefa quase impossível na outra dimensão.

A Lenda do Calango VoadorOnde histórias criam vida. Descubra agora