Eu podia ver melhor o garoto do banco já que ele estava de pé. Usava jeans escuros, botas de motoqueiro e camisa cinza por baixo da jaqueta de couro com o capuz cobrindo-lhe a cabeça, fazendo sombra em seu rosto. Ele tinha um corpo magro e musculoso com uma postura perfeita, do tipo que os soldados militares têm e estava tenso, a julgar pelos braços caídos ao lado do corpo e os punhos fechados.
O outro cara parecia mais velho. Estava de frente para o Garoto do Banco, vestido de maneira semelhante, com a cabeça coberta por um capuz. Eu não podia ver seu rosto por completo, mas podia enxergar que seu nariz era perfeitamente reto e suas bochechas eram altas. Um bigode curto descia pelas extremidades da sua boca até se encontrar com uma barba escura que cobria toda a parte inferior do seu rosto junto com um cavanhaque. Era musculoso, como os guerreiros de filmes medievais e sua postura era igualmente firme e rígida. Era como o modelo de beleza masculina da Grécia Antiga.
Os dois estavam frente a frente e pareciam discutir algo. O Garoto do Banco tinha que erguer um pouco a cabeça para encarar o outro cara. Ambos estavam com os braços ao lado do corpo com os punhos fechados e se mexiam muito pouco, claramente se contendo para que aquela conversa não explodisse em gritos descontrolados da parte dos dois.
Mesmo que não fosse da minha conta o que quer que estivessem discutindo, girei a tranca sem fazer barulho, abri a janela e desci do sofá para apoiar o ombro na parede de modo que eles não notassem que tinha alguém espiando a conversa alheia. No início não consegui identificar as palavras, pois era evidente que estavam tão irritados que estavam conversando entredentes e, mesmo com meus ouvidos capazes de ouvir o tráfego de pessoas no fim da rua nos horários de pico, tive que ser paciente e me concentrar.
Puxei ar para os meus pulmões e envolvi os dois numa espécie de bolha que minha curiosidade tinha me obrigado a criar e ignorei todos os outros sons, me concentrando nas vozes baixas que saíam em sussurros alterados.
- Você sabe que é perigoso levá-la para lá - a voz saiu impaciente e ousei esticar um pouco o pescoço na direção da janela para saber quem estava falando. Assim que fiz isso, Garoto do Banco virou a cabeça bruscamente na direção da minha janela. Puxei a cabeça depressa, temendo que ele tivesse me visto.
- Não podemos ficar aqui para sempre - o outro cara respondeu num sussurro alterado.
- Claro que não, Deimos! Mas é melhor deixar as coisas como estão. Estou aqui há dias, vigiando-a, e não tive nem sinal deles - Garoto do Banco disse e eu vi que ele olhou mais uma vez para minha janela, mas tudo que viu foi a minha cortina branca balançando levemente ao vento.
Mas o quê...? Vigiando quem? Eu?, pensei, paranoica.
- Não é assim que o Conselho dos Nove está pensando - o cara musculoso, Deimos, enfiou as mãos nos bolsos dos jeans largos e escuros que estava usando e soltou um suspiro pesado. - Decidiram que temos que tirá-la daqui antes que eles a encontrem. E nós devemos obedecê-los.
- Mas aí estaríamos expondo-a ao perigo real - Garoto do Banco parecia frustrado e irritado ao mesmo tempo.
- Erian - Deimos adotou um tom de preocupação e quase desespero na voz. - Eu quero protege-la tanto quanto você, mas não podemos fazer isso aqui.
- Talvez ela não seja a garota certa - Garoto do Banco, Erian, disse aquilo como se fosse seu último argumento.
- Você está brincando, não está? - Deimos disso com desdém. - Dá para senti-la no fim da rua.
- Humpf - Erian soltou um risinho amargo. - Posso sentir a dois quarteirões daqui. Três, se me concentrar. E está cada vez mais forte.
- Então sabe que precisamos leva-la antes que a encontrem - Deimos parecia preocupado. Tipo, muito mesmo. - Consegue saber quantos são?
Houve um silêncio e eu coloquei a cabeça na janela mais uma vez para ver o que estava acontecendo e percebi que Erian estava sentado ereto no banco com as mãos apoiadas nos joelhos, sua boca formando uma linha tensa.
- Não posso dizer com certeza. O Eike dela está interferindo - ele respirou fundo tentando se concentrar em algo e logo depois sua postura relaxou. - Três. Talvez quatro.
Recolhi a cabeça quando Deimos deu as costas para Erian, seus punhos fechados no final de seus braços musculosos.
- Não - ele disse com a voz carregada de preocupação. - Apenas um.
- Apenas... um? - Erian disse isso com espanto e se levantou do banco.
Minha cabeça estava girando com aquela conversa. Estavam planejando algo ruim e isso estava me assustando. Tentei respirar normalmente, mas não estava funcionando. Estava começando a me sentir como se estivesse correndo há uma hora num ritmo acelerado. Toda aquela conversa não fazia sentido algum.
- Então está dizendo que ele virá buscá-la? - Erian falou a palavra "ele" com ênfase e eu presumi que aquilo não era nada bom. Alguém vinha me buscar.
Perdi o fôlego quando a dor veio de repente. As ondas se espalharam com determinação, saindo do botão de ativação localizado no meio das minhas costas e deslizando lenta e dolorosamente por meus braços até as pontas dos meus dedos, causando um latejar insistente e doloroso embaixo das minhas unhas como se quisessem sair. Quando perceberam que não havia saída, voltaram tão determinadas e dolorosas quanto antes, me atingindo com violência no peito, se concentrando no botão entre os meus seios e se transformando em um pequeno incômodo.
- É o que estou dizendo de acordo com o nível do Eike dele. Não é um simples Guerreiro - Deimos confirmou num tom sóbrio que fez meu coração pular uma batida. - Com certeza eles já sabem onde ela está e se ela continuar crescendo assim, eles enviarão os melhores só para pegá-la. É uma chance de acabar com a guerra a favor deles. Vão matar todos nós. Será o fim da nossa raça.
Oi? Guerra? Desde quando?
A dor voltou e eu comecei a respirar mais rápido em busca de ar. Fechei os olhos com força e rangi os dentes.
Houve uma pausa na conversa.
- Sentiu? - Deimos perguntou alarmado.
- Eu disse que está aumentando - Erian respondeu.
- Escute - Deimos falou com urgência. - Precisamos levar essa garota. O Conselho mandou um grupo junto comigo e nos deu ordem de levá-la esta noite.
- Esta noite? - gaguejou Erian - Tipo... agora? Não podemos fazer isso. Me dê um tempo pelo menos de falar com ela.
- Não podemos ignorar ordens do Conselho - Deimos respondeu secamente.
- Pelo menos me dê tempo para falar com ela
- Não, Erian. Você não entende que quanto mais esperamos mais risco corremos de ele nos encontrar? E se ele chegar até ela primeiro?
- Sim, eu sei. Mas por favor, confie em mim! - Erian estava quase implorando. - Eu sei o que fazer para facilitar para nós.
- E você acha que ela vai acreditar no cara que esteve sentado num banco em frente a casa dela por três dias? - Deimos quase gritou. E eu também. Tanto pela dor quanto pelo susto.
Estavam falando de mim.
Estavam arquitetando um plano diabólico para me levar para algum lugar. E não eram os únicos. Eles nem estavam sozinhos.
De repente, meu peito explodiu em chamas. As ondas corriam livremente até a ponta dos meus dedos e voltavam para minhas costas como o fogo corre sobre uma trilha de gasolina.
Deimos interrompeu o que quer que estivesse falando e eu precisei me apoiar no sofá para não cair. Minha cabeça começou a girar e pontos brilhantes apareceram na minha frente.
Abaixei a cabeça e fechei os olhos com força, tentando ordenar meus pensamentos e quando a ergui de novo percebi que os dois estranhos estavam encarando minha janela escancarada e, apesar de querer muito, os pontos escuros na minha visão não me deixaram ver seus rostos e nem ouvir o barulho do meu corpo caindo ou o baque surdo que a minha cabeça produziu quando ela bateu no chão com força.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Os Guerreiros de Antares - Trégua
FantasyAnnelise Boudelaire é apenas mais uma habitante do mundo que conhecemos e seu grau de importância é tão comum quanto para qualquer outra pessoa: ela tem amigos e tem família. No entanto ela acaba por descobrir que toda a sua vida fora estruturada a...