5 - LEMBRANÇAS

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Dirijo pela estrada principal, paro o carro perto de uma das trilhas da Floresta do Ninho Verde, o lugar que o James escolheu. Ajudo ele a sair do carro, ele se agarrar o meu braço e junto com a bengala, lhe guiamos trilha adentro.

A Floresta do Ninho Verde é pequena, um pouco maior que um bosque. Suas árvores são bem variadas, altas e grossas, espalhadas harmonicamente pelo lugar. O solo é úmido, como a grama baixa em alguns pontos, maiores em outros. O lugar tem uma sensação predominante de paz, liberdade e magia. Vez ou outra é possível ver esquilos se escondendo entre as árvores, pássaros ecoando seus cantos e borboletas dando outras cores ao prevalecente marrom e verde.

Era para esse lugar que eu e o James vínhamos quando éramos crianças, todos os dias vínhamos para cá, era o nosso lugar secreto. Por isso conheço cada pedaço dessa floresta como a palma da minha mão, mesmo não vindo aqui há alguns anos, sem o James não havia motivos para isso.

Finalmente chegamos ao nosso lugar preferido na floresta. O jato forte de água surge entre as rochas e a vegetação, jorrando num lago pequeno e profundo de coloração verde. Não lembrava que era tão lindo.

James solta o meu braço e anda alguns passos para frente abrindo os seus braços e sentindo a refrescante brisa do lugar. Era esse exato lugar que ele queria revisitar e ele sabe que chegou por causa do barulho da cachoeira.

De repente começo a pensa que ele enlouqueceu, pois ele começa a tirar os sapatos, a camisa e as calças, ficando somente de cueca.

— James o que você está fazendo?

Ele não responde, simplesmente sai gritando e pula na água.

— Você não vem Joe? — ele grita depois do mergulho.

Ando irritado até a beira da água.

— James você está louco?! Você podia ter se machucado, caído no lugar errado, tropeçado em alguma pedra...

— Joe relaxa, foi pra isso que eu trouxe você aqui, para relaxar e não pra briga comigo. Então esquece tudo que existe fora desse lugar e pula na água.

Reconheço que preciso mesmo relaxar, mas nadar? Faz tanto tempo.

— Vai Joe, tira a roupa e pula logo. Eu juro que não vou ver você pelado.

Ele me faz rir, então sigo o seu conselho de esquecer o que está fora daqui. Tiro minhas roupas, também ficando somente de cueca, e pulo na água gelada da cachoeira.

O mergulho tem gosto de infância e libertação, é maravilhoso, principalmente em um dia quente como hoje. James começa a bater as suas mãos no lago com força, expirando água em mim e eu entro na brincadeira. Parecemos duas crianças novamente.

Depois de um tempo cansamos de brincar e ficamos ali na água sem fazer nada, só relaxando. James flutua tranquilo, e é só nesse momento que eu realmente reparo o quanto ele ficou bonito, ele já chamava a minha atenção na infância, mas agora... Ele está lindo.




— Então me diz Indiana Jones, como vamos nos secar agora? — brinco após saímos da água, ele ri.

— Gostei do apelido. Em relação a se secar... Eu pensei que a gente podia ficar aqui, abraçados, bem juntinhos, assim o calor dos nossos corpos secaria a gente rapidinho.

Fico paralisado ao ouvir a sua ideia, não sei o que está acontecendo, meu corpo simplesmente trava e meu coração dá uma acelerada. Talvez lá no fundo eu queira isso, mas não posso confundir as coisas, ele é meu amigo...

— Fica calmo Joe — ele ri. — Eu só estava brincando — claro, é só uma brincadeira. — Pensei em deixar os nossos corpos se secarem com o tempo enquanto vemos o pôr do sol. Não se preocupe, eu sou capaz de vê-lo pelos seus olhos. Então o que me diz?

— Eu gosto da ideia, faz muito tempo que não vejo um pôr do sol.

— Então vamos para a colina alta que tem ao oeste, onde fica um carvalho gigante. É o melhor pôr do sol que já vi.

— Sei onde é.

Segurando as nossas roupas nas mãos, começamos a caminhar. Andamos entre as árvores, nos lembrando das coisas que fazíamos quando crianças, das nossas travessuras, como quando roubamos o pneu do pai do James para construir um balanço, ou quando nós dois fugimos para essa floresta em uma noite de Halloween, acreditando que encontraríamos lendas famosas da mitologia, mas o que a gente realmente achou foi quase um ano de castigo quando nossos pais descobriram.

Chegamos ao topo da colina, que apesar de ser a mais alta, é pequena. James se senta ali mesmo no chão, encostando as costas no carvalho grande atrás dele, e eu faço o mesmo. A vista daqui é realmente linda e o pôr do sol a quilômetros de distância parece começar.

— Então, me conta como está o céu?

Olho para o sol e tudo ao seu redor e tento descrever da melhor forma possível.

— O sol está começando a se pôr atrás do horizonte, ele está bem amarelo, mas sem tanto brilho, é possível olhar diretamente pra ele. O céu ao seu redor ganha várias tonalidades de laranja, rosa, azul, fazendo do céu uma enorme pintura.

— É lindo não é? — ele me pergunta, deitando sua cabeça no meu ombro.

— Sim, é lindo.

— Eu ainda tenho essa imagem na minha memória — ele sorri e continua. — Sabe às vezes eu me perguntava se era melhor ter visto tantas coisas pra depois ficar cego, ou, se seria melhor já ter nascido assim?

— E que conclusão você chegou?

— Que apesar de não ter visto tudo que existe, eu tive o privilégio de ver bastante coisa, como elas são de fato e isso e muito bom. Mas nem por isso quem já nasce sem a visão é um completo infeliz. Por mais que ele não saiba como as coisas são de fato, isso permite ele ter um mundo só dele, uma lua só dele, um sol só dele, e isso também é legal. Eu estou falando besteira não estou? — nós dois rimos.

— É claro que não, acho que eu consigo entender o seu pensamento.

— O que eu quero expressar é que a cegueira também tem o seu lado bom, mesmo sendo um lado bem pequeno — nós rimos mais uma vez.

Encosto a minha cabeça na cabeça do James que ainda está deitado no meu ombro e ficamos ali vendo e sentindo o pôr do sol que fecha com chave de ouro esse dia maravilhoso.


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