7 - UMA NOITE DE DESAFIO

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— Seria meio que uma competição entre nós dois. Cada um escolhe uma coisa radical para nós dois fazemos juntos, um desafio. Então depois de fazer os dois desafios, escolhemos quem ganhou, qual foi o mais radical — James explica.

— Tá legal eu topo.

— Então você começa — ele decide.

Não sei no que pensar, a cidade é pequena e parada, sem falar que a coisa mais radical que eu fiz nos últimos tempos foi ir para a escola, mas isso não é nem um pouco divertido. Preciso pensar... Pensar... Pode ser.

— Já sei o que vamos fazer — digo pra ele, sem muita certeza.

— O quê?

— Vamos andar de bicicleta.

— Sério? Esse é o seu nível máximo de coisas radicais.

— Sei que parece bobo, mas é a única coisa que eu consigo pensar. E pode se considerar isso um pouco radical levando em consideração que não pego naquela bicicleta a um bom tempo.

— Ok, eu aceito o desafio.

— Vamos agora? — pergunto.

— A sua bicicleta está aí?

— Um dia ela entrou no bagageiro do me carro e nunca mais saiu então...

— Vamos — ele sorri.

Descemos as escadas, cruzamos a porta e chegamos ao meu carro. Abro a porta do bagageiro e encontro a mesma bicicleta azul que deixei aqui em algum dia da minha vida, provavelmente no dia em que eu ganhei o carro. Tiro a bicicleta do carro sem nenhuma dificuldade. James começa a passar as mãos nela para sentir como ela é.

— Meio pequena para nós dois não? — ele comenta e rimos.

— Isso só torna o meu desafio mais radical.

— Então vamos nessa — ele responde empolgado.

Fecho a porta do bagageiro e posiciono a bicicleta no meio da rua, nem um pouco movimentada. James segue minha voz e caminha até mim, ele fecha a sua bengala e deixa ali mesmo no chão.

É fim de tarde, o sol já está apagando e às luzes das varandas se acendendo. A bicicleta não é infantil, mas também não é muito grande. James se posiciona em outro banco pequeno atrás de mim.

— Está pronto? — pergunto a ele.

Ele segura com delicadeza as suas duas mãos na minha cintura e responde:

— Estou.

Pedalo a bicicleta, é um pouco difícil no começo por causa do peso de nós dois na rua comprida e plana, depois de anos sem pedalar. Mas em poucos minutos eu pego o ritmo, descemos uma ladeira pequena e adquirimos mais velocidade, deixando tudo mais interessante. Descemos outra ladeira um pouco maior e pegamos mais velocidade.

James abre os braços para sentir o vento, ele parece se divertir mesmo sem poder ver nada. Quero ter uma ideia da sensação que ele está sentindo, fecho os meus olhos e abro os braços, tudo no momento errado, porque a bicicleta bate com força em uma lombada que me leva ao chão e James cai logo em seguida, em cima de mim.

Meu coração salta mais uma vez. Meu corpo treme por dentro. Sua boca nunca esteve tão próxima da minha. Posso sentir o seu coração batendo forte, sua respiração quente de encontro com o meu rosto. Pela primeira vez reconheço a vontade de beija-lo, mas não posso ele é meu amigo, então tento acabar com esse clima.

— Desculpa foi culpa minha eu fechei os olhos pra sentir o vento...

— Tudo bem, agora é a vez do meu desafio — ele responde ainda em cima de mim e só depois ele se levanta e me ajuda a levantar.

Caminhamos de volta até o meu carro, onde guardo a bicicleta novamente.

— E qual é o seu desafio? — pergunto curioso.

— Nós leve até o Cemitério das Almas, na cidade vizinha, e no caminho eu te conto.

Acho um pouco estranho, mas faço o que ele pede. Entramos no carro e começo a dirigir até o cemitério, fui lá só uma vez há muito tempo, mas me lembro do caminho. Durante o trajeto, James me explica que toda a última sexta-feira do mês, acontece uma sessão de filmes de terror no Cemitério das Almas, uma atração para atrair turistas a cidade. Ele me conta que ouviu isso ontem na estação do rádio local e ficou curioso para conhecer. Agora eu também estou bem curioso, apesar de não achar isso mais radical que andar de bicicleta comigo no comando.

Chegamos ao cemitério depois de uns trinta minutos, estaciono o carro e ajudo o James a descer. Deve ter umas trinta pessoas encostadas no muro do cemitério esperando a entrada ser aberta. Caminhamos até a portaria e compramos dois ingressos com os dois dólares que eu por sorte achei no meu bolso, então vamos para o final da fila.

— Você acha mesmo que o seu desafio vai ser melhor que o meu? — pergunto a ele, para descontrair.

— Eu me lembro de você ter medo de filmes de terror, então quem sabe.

— É, mas isso mudou — minto da forma mais convicta que consigo no momento. Ele só ri em silêncio.

As entradas são abertas e logo estamos dentro do cemitério. Eu mais a bengala conduzimos James até um túmulo que fica bem próximo da tela, assim ele pode pelo menos ouvir melhor os diálogos e as trilhas sonoras. Sentamos ali mesmo na grama aparada, nos encostando num túmulo, as outras pessoas se dividem pelo espaço, procurando a melhor posição para elas.

O filme começa na tela que eu imaginava ser menor, o volume do áudio é perfeito e o silêncio do pessoal ajuda bastante. O filme não é um recém-lançado de sucesso, ou um clássico do terror, é um filme feito pelos alunos da faculdade de cinema que tem na cidade, o título desse é "Onde está você?".

James é capaz de ouvir a trilha sonora e os diálogos, mas as outras partes como a da protagonista andando pelo corredor silencioso e escuro, eu narro no ouvido dele, talvez outras pessoas não fosse gostar de fazer isso, mas eu estou adorando. Primeiro porque eu adoro falar durante os filmes e depois porque eu estou falando para o James e isso é de alguma maneira especial para mim.

— Aí! a Sarah entrou em um quarto super escuro — eu sussurro no seu ouvido o que está acontecendo no filme. — Ela achou no chão uma lanterna ligada. Ela abaixou. Pegou a lanterna. Ela está se levantando com a lanterna bem devagar... aaahh! — me assusto com o filme, aperto o braço do James e deixo sair um grito baixo, se é que isso é possível. James não grita, mas também se assusta com o meu grito e o som do filme — Ela apontou sem querer a lanterna para o assassino, ele tem uma máscara preta horrível e agora ele está lutando com ela...

Depois que a sessão acabou eu e o James voltamos para casa falando do filme durante todo o caminho, nossas partes favoritas, relembrando como foi tal cena.

— Chegamos — aviso ele quando paro o carro na frente da sua casa.

— Que pena, o dia foi tão bom que eu não queria que acabasse — ele lamenta, realmente desanimado. — Mas se não acabar agora, é capaz da minha mãe pira, ela nem sabe que a gente saiu.

— É verdade.

— Mas antes de ir, eu queria agradecer pelo dia incrível de hoje — ele pega a minha mão e apesar dos seus olhos não me verem, eles miram nos meus. — Fazia tempo que eu não me divertia assim, e com você é tudo muito bom, é mágico, é química pura... Não sei, é só que eu gosto disso e não quero mais me separar de você.

Meu coração pula forte dentro do peito, aquela agonia volta a percorrer o meu corpo. Esse cabelo, essa barba, essa voz, esse cheiro, esses olhos, eu simplesmente não aguento mais. Agora não é uma vontade, eu necessito beija-lo.

E é isso que faço, pulo no seu colo e conecto os meus lábios aos seus, mas ele fica paralisado, ele não corresponde, então percebo a besteira que acabei de fazer e volto para o meu banco o mais rápido que consigo.

— Me desculpa James, eu...

— Tudo bem — ele responde com a voz baixa, e desce do carro.

Eu quero descer e ajuda-lo a chegar até a porta, mas ele deve está chateado comigo, então só fico lhe observando e assim que ele entra em casa eu sigo envergonhado para a minha.


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