- Hey, fique com a cama da janela, não consigo dormir com a claridade batendo em meu rosto.
Foi assim minha primeira relação dentro da universidade, há dois anos. Kendra, minha colega de quarto até hoje é tão sociável quanto eu. Com seus olhos escuros e a pele muito branca, às vezes sinto que ela sente mais frio do que eu apenas por facilmente poder confundir seu tom de pele com a neve. Temos uma relação limitada e obrigatória porque dividimos um quarto. Geralmente dizem que os alunos de direito são mais tagarelas que o normal, mas a verdade é que todos só querem mostrar que são melhores. Principalmente em Harvard. Desde que entrei aqui, não encontrei muitas pessoas senão egocêntricos inteligentíssimos, podres de rico ou os dois. Não posso dizer que sou feliz estudando na melhor universidade do mundo. Harvard é boa quando se põe em questão os estudos e conhecimento, contudo, em relação às pessoas, não sou a melhor a dizer que tenho bons amigos.
Me mudei para os Estados Unidos logo que recebi minha carta de aceitação de Harvard. A verdade é que queria sair da casa de meus pais para o mais longe que pudesse. Os dois são advogados. Sempre quiseram que eu seguisse suas carreiras e assim penso até hoje: se pais estão tão centrados em suas profissões e demonstram ser bons profissionais, qual a razão de você fazer algo diferente deles? Grande parte da dificuldade será anulada, como a falta de conhecimento básico ou experiência fundamental. Desde quando fiz quinze anos, tenho comparecido às reuniões com clientes ou jantares beneficentes. Tudo em prol da profissão e do meu futuro que eles achavam já estar decidido. Entretanto, foi com dezessete anos, no último ano do colegial, que senti que estava prestes a explodir.
Qualquer um que esteja no colegial ou tenha uma noção do que é o vestibular sabe o tamanho da pressão que os estudantes brasileiros têm para entrar em uma boa universidade. Meus pais sempre deram duas opções para mim: São Francisco ou trabalhe para pagar qualquer outra faculdade. É bastante óbvio que a SanFran é a melhor e mais privilegiada faculdade de direito do país. O número de inscrições anuais e a concorrência por uma vaga podem dizer o suficiente para aqueles que duvidarem. Sempre soube que conseguiria passar no vestibular, porque tenho um adorável dom de memória fotográfica, que me permite decorar e lembrar com rapidez todas as questões e matérias estudadas para o vestibular. Além disso, para um advogado, este é um dom que facilita na hora dos processos e das legislações; sem nem mesmo terminar a escola, eu já havia decorado metade das leis brasileiras conforme orientado por meus pais.
Meus amigos diziam que minha vida era nada mais do que "perfeita". Com o boletim repleto de notas azuis, dinheiro para pagar a melhor universidade do país, inteligência para estar segura de que não precisaria de uma segunda opção, pais preocupados com meu desempenho escolar e um namorado tão talentoso quanto eu, ninguém imaginaria que eu pudesse sair dos trilhos e ousar prestar uma prova a mais para a melhor universidade do mundo.
A ideia surgiu quando eu completava o meu formulário de inscrição para o vestibular da São Francisco. Eu tinha quase duas semanas para preenche-la, mas era óbvio que eu não deixaria para última hora, já que todas as noites, durante o jantar, meus pais surgiam com a questão de quando teriam de pagar o valor da inscrição. Com os olhos no papel ainda em branco, ouvi Lucas, um garoto da minha turma, perguntar como faria para realizar a inscrição da prova de Harvard. Atentamente, ouvi todas as orientações dadas pela psicóloga que cuidava dos testes vocacionais da escola e guardei em minha memória o procedimento que deveria ser feito pela internet. Assim que cheguei em casa, antes mesmo de almoçar, preenchi todo o formulário em inglês e o enviei sem pensar na reação que meus pais teriam.
No dia do exame, dei a desculpa de que passaria o final de semana com minhas amigas para aproveitar as últimas semanas de aula antes de nos separarmos de vez pelas nossas carreiras. Peguei um táxi por não saber andar de transporte público e fui até o local. Em minha cabeça, tudo o que eu queria era fugir de São Paulo e das ordens de meus pais. Assim que saí, liguei para Gabriel, meu namorado de dois anos que cursava engenharia na Poli. Gabriel sempre foi, além de inteligente, bonito. Com seus cabelos de fios lisos e naturalmente loiros, os olhos caramelos e os lábios carnudos sempre chamaram a atenção das garotas da escola, inclusive eu. Infelizmente, porque sou tímida ou centrada o suficiente para não me distrair com problemas amorosos, nunca pensei na possibilidade de flertar ou trocar flertes com ele. Dessa maneira, no meio do primeiro ano, logo depois das férias de inverno, Gabriel veio em minha sala e me chamou para sair. Lembro-me de seus ombros largos tamparem o sol que batia na minha carteira, aquecendo sem grande sucesso, minhas mãos que estavam congeladas. O uniforme azul marinho e branco do colégio o fazia parecer ainda maior; além disso, usava a roupa da Educação Física, fazendo dezenas de garotas enlouquecerem com a masculinidade pairando em minha frente. Ele foi direto quando disse que queria sair comigo e também não fez rodeios em me beijar durante o filme do cinema. Mesmo que os relacionamentos sejam feitos de troca de carinhos e palavras de afeto, eu e Gabriel sempre tivemos nossa própria maneira de nos amarmos sem exagerar em nossos toques. Encontrei com ele depois que fiz a prova de Harvard. Pedi para ele me buscar no shopping Pátio Higienópolis, que era perto do local onde fiz a prova. Demorou cerca de uma hora até avistá-lo subir as escadas rolantes com calma.
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Garota S [degustação]
ChickLitNathalia Germini nasceu em berço de ouro. Pelo menos eram o que seus amigos de escola diziam. Filha de pais advogados importantes em São Paulo, tudo o que ela sentia era o sufoco das regras que eles impunham para ser a "filha perfeita". Decidida a s...