Não esperava que o clima fosse tão gelado durante a noite em Massachusetts. Abracei meu corpo enquanto andava na estrada que me levaria de volta para Cambridge; isso é, se eu chegar viva.
Não sei de onde surgiu a loucura de voltar a pé, mas até então, parece ser a melhor solução, já que não posso voltar atrás e esperar que alguém me desse uma carona. É bastante óbvio que ninguém me ajudaria, pelo simples fato de que Ansel não permite que eu me aproxime de ninguém, ou melhor, ninguém se aproxime de mim.
Sinto as lágrimas escorrerem pelas minhas bochechas e funguei o nariz. A voz de Ansel continuava a ecoar em minha mente, como se estivesse berrando.
"... Eu não preciso de vagabundas no meu negócio, lutei muito por ele para que mulheres desse tipo venham diminuir o nível do trabalho."
Nunca imaginei que uma palavra tão usada comumente pela sociedade fosse me afetar tanto. Ouço e vejo o xingamento 'vagabunda' em tantos lugares: na internet, nos programas, nas novelas, até na sala de reuniões com os clientes dos meus pais... Mas nunca, jamais imaginei que poderia um dia ser chamada de uma. Estudei minha vida inteira, fui a primeira da sala e entrei em Harvard para chegar agora e ser chamada de "vagabunda". Limpo mais uma vez as lágrimas que escorrem pelo meu rosto e olho para o céu, enxergando-a parcialmente por minha vista ainda estar borrada pelas lágrimas. Solto o ar que está preso em meus pulmões. Quem eu deveria odiar mais? Meus pais, por me colocarem nessa situação? Gabriel, por não estar ao meu lado para me consolar e ter me incentivado a procurar um trabalho? Ansel, por ter sido quem utilizou essa palavra repugnante para me descrever? Kendra, por me enganar a pedido de Ansel? Ou eu mesma, por ser estúpida suficiente para ouvir todos eles?
Olhei em meu relógio, que marcavam quase seis da manhã. Cada passo que dou mais perto de Cambridge me faz me sentir mais e mais estúpida. Chamei Ansel de idiota, mas pelo jeito, a idiota de verdade sou eu. Eu quem fui burra de ouvir as pessoas. Eu que achei que poderia me tornar mais sociável. Eu que tive esperança de fazer algo melhor que não fosse somente estudar. Mas aparentemente, a única coisa que sei fazer bem é estudar; até porque minha memória fotográfica me auxilia, caso contrário, seria completamente inútil.
- Nathalia, entre no carro. – ouvi sua voz falar ao meu lado. Olhei de relance e vi Ansel com sua SUV dirigindo devagar no acostamento, tentando acompanhar meus passos. O que ele espera? Que eu o obedeça? Que eu esqueça suas palavras? Que eu finja que nada aconteceu? Mesmo que eu quisesse, que minhas pernas e meus pés protestassem que eu pensasse mais neles, que tanto doíam por estar a mais de uma hora andando eu não cederia. Meu orgulho está tão ferido que mal consigo ouvir os sons dos carros passando em alta velocidade, ou que minha razão me dê socos no estômago por estar tão indefesa e aberta a ser morta ou estuprada no meio desse nada que estou.
Ansel acelerou e jogou o carro em minha frente, fechando meu caminho. Abracei meu corpo com mais força e comecei a dar a volta no carro; ouvi a porta se abrir e rapidamente meu corpo ser virado em sua direção.
- Você não está me ouvindo? – chacoalhou meu corpo, como se quisesse me fazer acordar. – Entre no carro.
- Eu já disse. – minha voz saiu fraca. – Me deixa em paz.
Me mexi, desconfortável, e senti suas mãos me largarem. Dei-lhe as costas mais uma vez e comecei a andar.
- Me desculpa! – ele gritou atrás de mim. – Pelo modo que falei. Eu estava com minha cabeça quente e acabei falando tudo o que me vinha à mente. – sua mão novamente agarrou meu braço, me impedindo de caminhar. O vento parecia mais forte agora, mesmo com o sol nascendo atrás de mim. – Se você quer se matar, arranje outra oportunidade. Não quero viver com peso na consciência.
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Garota S [degustação]
ChickLitNathalia Germini nasceu em berço de ouro. Pelo menos eram o que seus amigos de escola diziam. Filha de pais advogados importantes em São Paulo, tudo o que ela sentia era o sufoco das regras que eles impunham para ser a "filha perfeita". Decidida a s...