São cinco e meia e Kendra ainda está se arrumando. Disse que dormiu mais que o necessário, de modo que seu corpo parecia ser feito de chumbo, impedindo-a de levantar no horário que seu despertador tocou. Tive de desligar o som para ela voltar a dormir; quando despertou, às cinco, brigou comigo por ter desligado o alarme a pedido dela, mas em seguida se desculpou, porque sabia que era sempre assim.
A pedido dela, estou vestindo algo "melhor". Uma skinny preta com meu snicker vindo da mesma cor, parecendo que estou usando uma macacão já que as cores são praticamente da mesma tonalidade. Coloquei uma camiseta cuja barra é mais curta, indo somente até a altura do umbigo, deixando parte de minha barriga à mostra quando ergo os braços. Optei por deixar meus cabelos soltos, porque estão limpos e não gosto de deixa-los marcados com o elástico; contudo, coloco um em meu pulso para caso necessitar mais tarde. Quando fiquei de frente para meu armário me perguntando qual casaco deveria usar, Kendra disse que eu não precisaria de um, já que haveria gente demais para dividir o calor humano. Com essa afirmação, me pergunto mais uma vez se deveria ir ao lugar; penso no meu diploma e nos dois anos de curso que deveria tentar pagar e quanto mais cedo conseguir dinheiro, melhor para mim.
No início, achei que iríamos pegar o ônibus como fizemos ontem para ir até o bairro do estúdio de dança; entretanto, assim que saímos das pendências de Harvard, uma enorme picape preta com algumas pessoas que reconheci do estúdio aguardavam Kendra.
- Eles são... Daqui?
- Daqui, você diz, Harvard? - Kendra diz depois de ter acenado para o grupo, confirmando ser ela a pessoa vindo com a acompanhante. - Sim, há bastantes pessoas daqui que vão para lá; a maioria eu quem apresento, mas agora já há tantas pessoas que só pode ter sido uma propaganda boca-a-boca.
Olhei para o grupo que cumprimentou Kendra com um movimento que envolvia as mãos e o resto do corpo; algo que eu não saberia fazer nem com treino. Olharam para mim desconfiados até Kendra dizer que estava com ela.
- Ah, é a "mesquinha". - um garoto com o cabelo loiro escondido pelo boné virado para trás disse entre risos.
- Nathalia. - olhei séria para ele, que desfez o sorriso e levantou as sobrancelhas. - Meu nome é Nathalia, "mané". - retruquei o elogio, vendo Kendra rir antes de entrarmos na picape. Atrás de nós, todos aqueles que ouviram nossa troca de cumprimentos começou a tirar com a cara do loiro, chamando-o de "mané". Abri um pequeno sorriso, entendendo um pouco como as coisas funcionavam ali.
Devido à algazarra intensa dentro do carro, não consegui prestar atenção no caminho que fizemos. Sei que entramos na rodovia e quando perguntei à Kendra onde era o lugar, ela apenas disse que era em um condomínio afastado da cidade. Mesmo todos sabendo sobre mim, depois de minha resposta ao loiro, ninguém mais mexeu comigo. Não reconheci nenhum dos rostos dos estudantes que dividiam a mesma universidade que eu, Harvard é imensa e eu nunca prestaria atenção nessas pessoas; não se elas se vestirem como Kendra, ao invés de usarem as roupas sociais que devemos vestir alguns dias da semana.
A picape logo se uniu a um grupo de outros carros. Percebi que havíamos nos unido ao grupo de automóveis quando eles começaram a aumentar a velocidade e trocar buzinadas. Mesmo ainda não ter anoitecido foi possível ver a troca de luzes em meio à intenção de cegar quem está dirigindo à frente. As pessoas que estavam em nossa picape abriram as janelas para começar a gritar com as pessoas dos outros carros, que respondiam em mesmo tom e até tacavam objetos como rolos de papel higiênico ou latas de bebidas vazias. Me mantive encolhida no meio do banco, a única pessoa que não estava interessada em colocar metade o corpo ou a cabeça para fora do automóvel a fim de brincar com os outros carros. Demorou meia hora para os carros formarem uma fila indiana em frente à uma recepção que indicava a entrada do tal condomínio. "Sunville" era o nome do local. De início, me pareceu normal, as casas eram como as dos condomínios da região de São Paulo: cerca de dez a quinze casas por quarteirão; contudo, de acordo com que fomos andando e passando por mais cancelas de segurança, as casas foram se tornando maiores, até serem categorizadas como mansões. Demorou mais vinte minutos até chegarmos em uma rua onde haviam somente três ou quatro casas por quarteirão. Antes mesmo da picape parar em algum lugar, as pessoas da frente abriram as portas e começaram a saltar para fora do carro. Olhei para Kendra, que riu quando viu meu olhar de desespero. Não iria pular de um carro em movimento de jeito nenhum.
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Garota S [degustação]
ChickLitNathalia Germini nasceu em berço de ouro. Pelo menos eram o que seus amigos de escola diziam. Filha de pais advogados importantes em São Paulo, tudo o que ela sentia era o sufoco das regras que eles impunham para ser a "filha perfeita". Decidida a s...