Capítulo 16

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"Você sabe qual é o problema com heróis e santos, Nikolai? Eles sempre acabam mortos"
— Sol e Tormenta.

Claire caminhava pela estufa olhando tudo ao redor com atenção, por mais que soubesse exatamente todos os detalhes de olhos fechados. Sempre ia lá, não era para menos.
Mesmo assim andava lentamente, olhando cada flor. Cada detalhe e nome. Precisava encontrar a flor perfeita. Queria que tudo ocorresse bem entre Sofie e Michael. Que tudo fosse primoroso. Não aceitava menos que isso. Seu melhor amigo merecia aquilo.
Estava tão concentrada que não viu duas pernas no chão, consequentemente a derrubando. Por sorte era rápida, conseguindo se equilibrar a tempo e evitar um belo tombo.
— O que diabos...
Uma voz serena e até mesmo divertida a interrompeu.
— Ah, oi.
Oh, não. Realmente... Ele a estava seguindo? Só podia ser! Não estava a fim de lidar com Calum. Não agora. Precisava apenas se concentrar nas flores e...
— Parece que gostou daqui. — Disse antes que pudesse controlar.
O moreno ainda deitado no meio do chão assentiu levemente com um sorriso. Ele lia algo, a francesa tinha percebido. Quando tentou ver o que era, exatamente como uma boa leitora e pessoa curiosa que era faria, foi detida. Mais do rápido ele escondeu a capa do livro, impedindo-a.
— É, mais ou menos. É bem calmo aqui.
— O que está lendo? — Perguntou curiosa.
— Francesinha, não ensinaram a você que ser curiosa é feio?
— Não ensinaram a você que ser um idiota também?
— Ei, ei! Não precisa ser grosseira. Eu estava apenas deitado aqui, na minha, foi você quem começou a conversar comigo...
— Tecnicamente, foi você. Já que eu estava falando comigo mesma, não podia imaginar que era uma pessoa o empecilho no chão...
Calum rolou os olhos, mas mesmo assim não pôde deixar de sorrir. Parecia que ela nunca mudaria aquele jeito alfa de ser que ela tinha.
— Não importa, de qualquer forma. — Deu de ombros. — O que está fazendo aqui?
Claire ia abrir a boca para responder, até que a fechou, dando um pequeno sorriso. Oh, sim. Uma boa resposta veio em sua mente.
— Não ensinaram a você que ser curioso é feio? — O imitou, fazendo uma voz engraçada.
Calum foi pego de surpresa, até que deu um grande sorriso também, não perdendo a oportunidade.
— Não ensinaram a você que ser uma idiota também? — Fez a mesma coisa.
Eu não falo assim! — Gritou horrorizada, deixando um sorriso escapar.
— Creio que sim, imito muito bem as pessoas.
— Você soou como uma gralha!
— Ou seja, imitei você direitinho.
A mulher deu um tapa forte no braço dele, que mesmo o moreno sendo forte sentiu. Fez uma careta feia, pronto para soltar um comentário venenoso, mas parou ao notar que ela ria. Ria de verdade. Era surreal. Sua risada não era bizarra, como a de muitas pessoas. Era delicada, igual à dona. Contagiante também.
Era estranho ver aquela mulher sempre tão séria rir daquele jeito, tão relaxado. Ela gargalhava, na verdade.
E por causa de algo que Calum tinha feito.
Sentiu-se especial, de uma maneira bizarra. Um sorriso, mesmo que discreto, nascia em seus lábios também.
— O que está fazendo aqui, Francesinha? Ainda não me respondeu.
Ela parou de rir aos poucos. Estava com as mãos sobre a barriga, ele não pôde deixar de reparar. Seu cabelo sempre tão arrumado e preso estava solto e caindo sobre os olhos escuros dela.
— Preciso pegar umas flores. — Falou bem-humorada. — Aliás, o que você está fazendo aqui? Pensei que eu e Sky tínhamos dado uma missão a você e Ashton...
— Eu nunca disse que tinha concordado, somente Ashton. Fora que ele me irritou, então...
— Você se estressa por qualquer coisa, então não me surpreende.
— Não me trate como se eu fosse o Hulk...
— Mas é verdade. Seu temperamento é forte.
Claire já tinha voltado a andar pelo local, observando as flores. Calum estava ao seu lado, com o bendito livro ainda escondido, é claro. A relação dos dois era engraçada, de certo modo, já que em alguns momentos mal podiam se suportar e outros pareciam amigos de longa data. A francesa tinha percebido que ele ficava diferente quando mais ninguém estava por perto. Parecia até mesmo outra pessoa.
— Então, o que estamos procurando?
Você eu não sei, mas eu estou procurando uma flor com um significado e aparência bela...
— Ainda com esse papo? — Soltou uma risadinha descrente.
— Cada um com suas manias. — Deu de ombros.
— Tem razão.
Os dois continuaram a andar em silêncio, observando aquela variedade de plantas. O moreno queria dizer que tudo aquilo era igual no fim das contas, mas se segurou ao ver a expressão maravilhada no rosto da mulher.
— Azaléia Branca... — Leu o nome em voz alta.
— Significa romance.
Ela o olhou surpresa. Até mesmo em choque.
— E como você sabe?
— Sou uma caixinha de surpresas. — Piscou.
A verdade era que ele tinha acabado de ler no livro que estava folhando minutos antes de Claire aparecer. Tinha gostado daquela flor, por isso chamou sua atenção o significado. A francesa o observava com uma admiração contida, dava para ver por causa do brilho nos olhos. Contudo, eles sumiram rapidamente.
— Bom, acredito que seja mesmo.
Ela não estava mentindo. Calum era realmente uma pessoa curiosa. Talvez por isso Claire sentia-se um pouco atraída por ele, no fundo. Adorava um bom mistério.
O fato é que o moreno agia como outra pessoa quando eles estavam sozinhos. Ainda sim soltava uma piadinha besta, mas ele não parecia fazer questão de ser um babaca. No entanto, quando tinha mais pessoas em volta ele continuava com aquela máscara. Ela não sabia bem o motivo.
Talvez ela já tivesse visto ele em momentos piores, por isso ele resolveu se abrir mais com ela e mostrar o seu outro lado...
Era muito confuso, Claire não tinha como saber a resposta.
— É isso que você procura, Francesinha? O amor?
Agora ele a olhava, ainda sorrindo. Era um sorriso bonito. Agora entendia o porquê de ele ser o popular e garanhão na escola. Era o tipo de sorriso que já conquistava às menininhas a procura de uma aventura ou amor igual nos livros. Adolescentes, sempre vivendo um sonho que jamais irá se realizar...
Claire, contudo, não era mais uma adolescente. Não estava em busca de um romance igual dos livros. Não, é claro que não. Muito menos em busca de uma aventura — ela já tinha várias.
Fora que já era grandinha o bastante para saber como as coisas funcionavam. Conhecia o tipo de Calum. Era só envolvimento físico, sem sentimentos. Não desaprovava tanto, já que ele era jovem e tinha que aproveitar mesmo — só que ele exagerava na maior parte do tempo.
— Não, Hood. Amor dá muita dor de cabeça, não concorda? — Sorriu.
— Também acho que não vale a pena todo o esforço...
— Vale, sim. — Ela o interrompeu olhando a flor com atenção, vendo se ela estava realmente perfeita, sem defeitos. — Vale a pena cada minuto. É só que... Não sei, quando nós sabemos como a realidade é dura, tudo perde um pouco a magia.
— O amor traz dor. — Falou baixinho.
Claire parou de analisar a flor e encarou o garoto a sua frente. Ele tinha a testa franzida e parecia perdido em pensamentos. A francesa sorriu ao perceber que a parte de cima dos lábios dele se levantava um pouco, formando uma pequena careta.
— E a felicidade também.
— Você realmente sempre olha os pontos positivos...
A mulher de deu ombros, voltando analisar a flor. Resolveu que seria aquela mesmo. Pensou em pegar rosas, mas era tão comum... Não, Michael merecia algo mais especial. Sofie também. Pegou várias flores iguais à mesma que estava em sua mão, fazendo o tão esperado buquê.
— Então, senhorita positiva-amo-o-mundo, o que você vê de bom em mim?
— Sério mesmo? — Perguntou quando estava amarrando a fita em volta dos caules.
— Sim. É uma brincadeira, vamos encarar assim, só para passar o tédio. Você me diz um defeito e uma qualidade minha. E eu digo o mesmo sobre você.
— Certo... Posso começar pelo defeito?
— Sabia que não era tão santinha! Quando tem a oportunidade de falar mal de alguém nem ao menos hesita... — Brincou.
— Muito engraçado. — Claire fingiu rir. — Certo, deixe-me pensar...
— Caramba, tenho tantos defeitos assim?
— Nem me fale...
— Não se esqueça que eu tenho um coração.
— Cale a boca.
— Você quem manda, Francesinha.
Claire, assim que finalizou o que estava fazendo, voltou a observar Calum. Ele parecia relaxado. A mulher ainda conseguia ver o vestígio da dor nos olhos dele pela morte do melhor amigo que ainda não tinha sido superada — jamais seria. As olheiras denunciavam que ele não dormia bem já fazia um tempinho. O sorriso fraco que sempre persistia em seus lábios. As mãos que ele sempre colocava nos bolsos do casaco, tentando parecer descolado, mas que a francesa tinha notado ser um gesto de insegurança.
— O seu maior defeito é você tentar ser quem não é.
— E você por acaso me conhece o suficiente para saber o que eu sou ou deixo de ser?
— Eu sou uma mulher inteligente, isso basta, digamos assim.
— Fala sério...
— Sua qualidade, porém, é simples, mas rara nos dias de hoje. Você é forte, Calum. Forte de verdade. E não estou dizendo pelo fato de você ter superforça.
O garoto parou de falar, dirigindo sua atenção novamente a ela. Uma estranha sensação o tomou. Fazia tanto tempo que ele não ouvia um elogio...
— Você está aguentando tudo muito bem, sabia? Qualquer outra pessoa no seu lugar estaria surtando. Então, sim, você é arrogante na maior parte do tempo. Diz muito e faz pouco, mas mesmo assim vejo que é uma pessoa boa e que no fundo só quer receber o amor que nunca teve, mesmo negando esse fato com todas as forças.
Calum ficou em silêncio, sem saber como reagir. Era verdade, em parte. Por que o garoto dizia sobre o amor com tanta convicção se nunca o tinha sentido de fato? Tudo que viu dele foram partes pequenas. Situações por fora, mas nunca com ele.
De todas as meninas que ele já tinha ficado... Nenhuma jamais falou que o amava. Todas apenas queriam ter mais uma noite com ele e andar em seu carro muito caro. Todas o desejavam, mas era apenas isso.
Seus pais nunca tinham demonstrado muito afeto a ele. Quase nunca paravam em casa. O moreno não sabia como uma família normal costumava agir. Achava meloso qualquer demonstração de carinho, simplesmente porque para ele não era normal, já que nunca o tinha.
Era uma realidade triste, mas ainda sim a realidade dele.
— O seu defeito é que você acha que sabe demais. — Falou um pouco irritado por ela ter tocado na ferida. — Nem todas as respostas estão nos livros, Deville. Você não vê que a vida está passando? Sempre está tão preocupada com as pequenas coisas e com os outros que se esquece de viver. Esquece-se de si mesma.
— Isso não é verdade...
— É claro que é! — Deu uma risada descrente. — Qual foi à última vez que encheu a cara até não se lembrar de nada? Hein? Qual foi a última vez que resolveu fazer um ato de loucura repentino no meio da tarde, como pular de bugging jump? Qual foi a última vez que saiu pelo mundo sem preocupações, Francesinha, apenas apreciando o lugar e o momento?
Ele parou de falar, em busca de ar. Estava se exaltando. A mulher a sua frente estava estática, até um pouco encolhida. Ele se aproximou mais, tirando com cuidado as flores da mão dela e depositando na mesa ao lado dos dois. Por fim juntou suas mãos com as dela, fazendo-a ficar mais surpresa ainda.
— Qual foi a última vez que você viveu de verdade? — Perguntou por fim, um pouco mais calmo.
— Isso é loucura...
— É a verdade. Não precisa sentir vergonha. Acho legal você se preocupar com seus amigos. Só precisa começar a pensar mais em você mesma também. Isso não é um crime, sabia? Por mais que muitos achem ser.
Claire não gostou do que ouviu. Era duro encarar a verdade. Ela tinha consciência de todas as palavras do moreno muito antes dele botá-las para fora, mas sempre tentava pensar em outra coisa e negava a verdade para si mesma. Era mais fácil assim.
O fato era que Claire não era corajosa porcaria nenhuma. Ela vivia com a cara atrás dos livros, tentando fugir desesperadamente da realidade — que por sinal era uma droga. Ajudava com os problemas dos outros, pois odiava encarar os seus. Não gostava de se envolver com ninguém, pois sabia que no fim não daria em nada — nunca dava. Não aproveitava a vida, pois no fundo tinha medo. É, medo.
Ela não gostava de nada "repentino". Tudo precisava, para ela, ser planejado com muita antecedência. Gostava de ter o controle da situação. Sentia-se mais confortável.
— Acho que suas qualidades são muitas. O que eu mais gosto em você, todavia, é esse seu lado maduro. Como você age em todas as situações, por mais que elas sejam desesperadoras. Você sabe ser calma, mas sabe ser selvagem também. É tudo na medida certa, entende? Você tem algo a mais do que as garotas que eu convivia...
— Cérebro, talvez.
— É — ele gargalhou. — Deve ser isso.
O silêncio predominou o local novamente. Foi somente nesse momento que cada um deu por si e percebeu o quão próximo eles estavam. Suas testas quase se tocavam, assim como seus lábios. Ela não sabia como tinham parado naquela posição. Provavelmente se aproximaram sem nem ao menos perceber. Calum, diferente dela, pareceu não se incomodar muito. Na verdade, parecia estar gostando. Ele fez menção de finalmente acabar com aquele espaço entre eles, até que ela o afastou delicadamente.
— Eu vou indo.
— Já?
— É, sabe como é, tenho uma missão para cumprir. — Mostrou o buquê de flores.
Ele assentiu um pouco decepcionado. Não pôde evitar. Uma parte dele desejava com força total a francesa e ele não iria sossegar até finalmente tê-la. Atração física... sempre atrapalhando as coisas. Todavia, mesmo assim, seria bom ele esperar mais um pouco. Sabia que ela acabaria cedendo — todas cediam.

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