Capítulo 25

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"A morte não é a grande perda na vida. A maior perda é o que morre dentro de nós enquanto vivemos."
— Norman Cousins.

         Claire nunca se sentiu tão agitada na vida. Bom, talvez fosse a adrenalina correndo por suas veias. Ela sabia, como ninguém, que se cometesse um mísero erro colocaria todos, sem exceção, em perigo.
         E que dessa vez não acabaria até que um por um estivesse morto.
         Ashton parecia compreender, já que estava a ajudando muito, sempre prestativo, atento nos detalhes, não querendo deixar nada passar. Ela estava agradecida por sua presença. Não sabia o que faria sem ele, não naquele momento tão difícil.
         Tirando os dois, ainda havia Frida e Celiny que também faziam o máximo para cooperar, pesquisando nomes e fofocas relacionadas a cada pessoa na festa — o que para elas não passava de um ótimo passatempo. Depois de fazerem uma ficha com todas as informações necessárias de cada convidado, os principais ao menos, Ashton entrava em ação, implantando pensamentos sutis, lembranças vagas dos personagens que Claire havia criado para os heróis, em suas respectivas mentes.
"Você fechou há muito tempo um contrato com Elton Reynald e ele é um grande amigo seu atualmente. Ele e a esposa, Emma, são um casal adorável."
         "Você sentiu certa atração por Amy Shapers, não desista dela"
         "Você é um cliente antigo de Ryan Green, ele é muito poderoso, não perca contato com ele."
         Coisas do tipo. Era mais para ninguém desconfiar que eles eram, na verdade, desconhecidos sem qualquer tipo de influência ou riqueza. Para os heróis arrancarem segredos sujos dos aliados de Monish, precisavam antes se passar por eles para, assim, obterem contatos com os mesmos.
         — Celiny, você sabe como será sua personagem, certo?
         A garota deu um sorriso grande, um pouco esnobe, em seguida jogando seus cabelos loiros (agora mais claros ainda) para trás, se ajeitando na cadeira de couro tão confortável que estava sentada. Tinha deixado o outro grupo para se juntar a esse a pedido de Claire. Mesmo assim, preferiu guardar segredo sobre Saul... Por hora.
         — Elizabeth Duken. Apesar de sua beleza e riqueza herdada por família, é conhecida também por seus outros dons... — deu um sorriso mal-intencionado. — Sim, sim, eu sei. Ficarei no primeiro andar, perto do bar, apenas escolhendo as presas antes de atacar. Já sei de tudo, pode relaxar, Deville.
         — Só para confirmar...
         Claire suspirou fundo, agora observando Ashton que tirava um cochilo no sofá, cansado demais por ter usado seu poder com tanta intensidade. Ele parecia diferente, outra pessoa. Pelo menos por fora. Claire não sabia ainda se tinha gostado totalmente da mudança, já que sua essência parecia estar desaparecendo também.
         Frida magicamente apareceu ao seu lado, sorridente.
         — Aqui, um café. Você precisa disso mais do que todos nós.
         A francesa a olhou cheia de gratidão, sentindo mais simpatia ainda pela ruiva. A garota estava a ajudando muito, mais do que qualquer outra pessoa naquela missão especificamente.
         — Forte?
         Ela sorriu ainda mais.
         — Muita cafeína, a cura temporária para o cansaço.
         Aliviada, Claire pegou a xícara, bebendo depressa e sentindo-se aquecida por dentro, não deixando de dizer:
         — O meu preferido.
         Frida assentiu. Ela, em especial, odiava aquele tipo de bebida, Claire antes não gostava também, mas de um tempo para cá a francesa começou a cultivar esse hábito tão estranho aos olhos da ruiva. Essa mudança era particularmente pequena diante de todas as outras.
         — Está tudo bem, Clair?
         A pergunta a pegou de surpresa, tanto que quase derrubou a bebida — bom, o que restava dela, já que estava quase no fim. Ainda um pouco em choque, olhou para Frida, pensando em uma resposta boa que acabasse logo com o assunto ou que não desse abertura para mais questionamentos, mas nada veio.
         — Sabe, se você não quiser falar nem nada, eu vou entender. Mas queria que soubesse que, se quiser, estarei aqui. Você realmente sempre foi do tipo "posso aguentar tudo calada" e admiro essa sua força, mas até mesmo os mais fortes se cansam. Então, está tudo bem se abrir, Clair. Ninguém vai te julgar.
         A francesa se encolheu ao ouvir aquilo. Será mesmo? Era irônico, já que ela nem ao menos sabia mais o que era força. A cada dia que se passava sentia-se uma grande fracassada e se perguntava como tinha chegado naquele ponto tão deprimente. Não conseguia nem se olhar no espelho sem uma boa dose de maquiagem.
         Antes ela gostava dos olhares que recebia. Sentia-se plena, invencível. Agora, qualquer um que a encarasse mais do que um segundo ela já se encolhia, querendo sumir da face da Terra.
         Confiava em Frida. A ruiva nunca tinha dado um motivo sequer para ganhar sua hesitação. Mesmo assim, depois de tanto tempo calada, era difícil se abrir.
         — E, deixe-me te contar um segredo... Quando nós dividimos o peso, ele se torna mais leve.
         Depois dessa frase de Frida, ela resolveu dizer a verdade a amiga.
         No começo foi difícil, mas quando notou, as palavras fugiam de sua boca sem ela se dar conta. Fluíam de maneira natural, como se não aguentassem ficar mais lá dentro.
         — Você tem razão, eu não estou bem. Na verdade, eu nem me lembro de como é se sentir assim. Eu não durmo mais do que três horas por dia, isso se eu tiver sorte, é claro! A todo o momento eu acho que estou sendo observada, seguida — e de uma maneira ruim. Fora os pesadelos que são feitos para confundir com minhas visões e... Bom, isso tem um peso a mais para mim, mas essa é outra história. Enfim, eu sempre protegi meus amigos e agora sei que não consigo mais fazer isso. Se acontecer algo a eles, eu jamais vou me perdoar. Sei também que não deveria me sentir assim, mas é impossível, entende?
         Frida não disse nada, apenas assentia prestativa, realmente ouvindo e se importando com o desabafo da colega. Ela sabia que ainda não era a hora de dizer algo e sim de apenas escutar.
         — As coisas estão mudando e não para melhor. Por mais que a gente se esforce... Posso ser sincera com você? No fundo, eu sei que nós vamos perder. E se por algum milagre vencermos, provavelmente só vai sobrar um ou dois de nós para contar a história. Eu finjo que não tenho medo, mas na verdade sou a pessoa mais medrosa do mundo. Além dos meus próprios temores, há também o que eu sinto pelos outros. É só escuridão, tristeza e dor o tempo todo. Como alguém pode estar tranquilo com essa situação? Todos dependem de nós. Todos, sem exceção. Se nós falharmos, levaremos o mundo conosco.
         Claire já conseguia ver as pessoas correndo pelas ruas, gritando por socorro... mas quem as salvaria? Não haveria ninguém que conseguisse derrotar Monish. A não ser eles, é claro.
         Era fácil ver como o mundo ficaria depois que perdessem na batalha contra o Senhor das Mentes. Difícil mesmo era vislumbrar, nem que fosse por um segundo apenas, a glória do lado deles.
         Nos contos de fadas o bem sempre vence, mas na vida real? Bom, a história é outra.
         — Olhe pelo lado bom, seu coração continua intacto... — Frida falou baixinho para que Celiny não escutasse apesar da loira estar entretida em seu novo celular.
         Foi como um golpe certeiro no meio de seu coração.
         Ora, nem isso ela tinha mais controle. Era uma droga, mas era verdade. E ela precisava admitir, por mais que odiasse. Tudo que conseguiu imaginar foi certo rosto familiar, com aquele sorriso provocante persistente e o olhar tão marcante e intenso.
         — Não — ela fechou os olhos com força, sentindo seu coração pulsar mais forte. — Eu gosto de fingir que sim, mas a verdade não chega nem perto.
         Frida não pareceu surpresa com a frase da francesa. Parecia até mesmo saber de quem ela se referia, apesar de ter se mantido quieta quanto a isso. Apenas sorriu mais ainda, encostando-se à cadeira do pequeno escritório que tinham alugado somente por um dia.
         — Um novo amor pode ser bom para você.
         Claire não conseguiu segurar a risada sarcástica que escapou de seus lábios de maneira rude. Felizmente a ruiva não pareceu ligar. Sabia que a ferida da mulher era tão profunda que talvez jamais fosse cicatrizar — e respeitava essa dor, por mais que não a entendesse.
         — Eu duvido muito. Amores sempre acabam de uma só maneira: mal.
         — Mas se você realmente gosta dele, talvez devesse tentar... — Falou novamente, querendo mudar seu pensamento, mas ao que parecia não estava obtendo sucesso.
         Doeu pensar em Calum. O modo como ele a olhou depois de tê-lo dispensado era demais para ela aguentar. Era necessário, todavia. O garoto era maravilhoso, como ela bem sabia — afinal, tinha visto o verdadeiro Calum Hood, sem máscaras ou embalagem. Ele merecia alguém a altura.
         Para sua tristeza, essa pessoa não era ela. Não poderia, justamente por Claire gostar demais dele. A vida não era fácil nem justa, a boa noticia é que a francesa já estava acostumada com ela.
         Olhou para Frida de esguelha, não querendo mais prolongar o assunto, mas ainda sim achando necessário esclarecer sobre aquele tópico tão difícil.
         — Por eu gostar dele mais do que deveria, eu estou me mantendo afastada. Diferente do que ele ou todos pensam isso é para seu próprio bem. Quando estou perto, coisas ruins tendem a acontecer, como você bem sabe. Fora que Calum acha que eu sou perfeita... Estou apenas o poupando de mais uma decepção.
         Isso não importava, contudo. Não mais.
         Eles tinham problemas maiores no momento.
         Como salvar o mundo, por exemplo.
         Claire suspirou fundo, erguendo as muralhas ao redor de seus sentimentos novamente e voltando a fortaleza que era antes, como se nada tivesse acontecido. Parecia ser outra pessoa.
         Frida gostava mais da outra Claire, a mais humana.
         Arrumando seus cabelos que estavam bagunçados, a francesa começou a perambular pela sala, indo até a janela, encarando as pessoas andando nas ruas tranquilamente, conversando, rindo, vivendo como se não houvesse amanhã.
         E talvez elas estivessem certas quanto a isso, realmente.
         — Aqui vai o meu conselho, Frida: viva enquanto há tempo, pois você deve saber que a morte virá. Ela já está a caminho, na verdade...
         Seus olhos ficaram sombrios, por um momento. Frida se afastou, sentindo um calafrio que deu arrepios nada agradáveis em sua nuca. A francesa continuou parada na janela, ainda a encarando, sem mudar de expressão, em seguida continuando a frase:
         —... E nada irá detê-la.

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