Capítulo 29

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"Estrelas são corações apaixonados que estão distantes."
- Sofia Selbach.

Rovaniemi, Finlândia.



Era uma noite gelada, como quase todas as outras. O homem, todavia, não se importava. Estava habituado a esse tipo de clima, depois de tantos anos vivendo em um parecido - ou até mais intenso.
Apertou seu casaco grosso e pesado ainda mais ao seu redor, andando com passos firmes até o local desejado, não se intimidando ao entrar em um beco com vários moradores de rua, olhando-o com curiosidade enquanto alguns eram mais maldosos.
Ele não tinha medo de nada.
Não mais.
Não quando não tinha nada a perder.
Parou em frente a uma porta de ferro pesada e enferrujada. Bateu de leve duas vezes, apenas esperando a resposta que não demorou a chegar.
Minutos depois ouviu uma voz sussurrar em finlandês:
- Senha.
O homem suspirou, entediado, como o usual. Era sempre a mesma situação, extremamente cansativo...
- Alea jacta est.
Era uma expressão em latim, muito usada antigamente. A sorte está lançada. Depois de segundos ouviu as trancas começarem a ser abertas. O homem esperou pacientemente, afinal, não estava com pressa. Não ainda. Durante todos aqueles anos isolados havia feito muitos contatos ao redor do mundo. E também tinha conquistado muitas coisas que antes pareciam impossíveis como, por exemplo, paciência.
Quando a porta foi aberta, a figura que esperava ver surgiu a sua frente. Lá estava Hemus Martakis, um grego sábio que agora estava foragido em um país nórdico e gelado.
Identificou-se com ele no mesmo segundo e um pensamento o ocorreu: a que ponto tinham chegado?
- Não foi fácil achá-lo - falou, dando um passo para frente e entrando na toca mesmo sem ser convidado.
Hemus deu um sorriso, mostrando os dentes podres e amarelados.
- Essa é a intenção.
Ele estava diferente. Quem o visse agora jamais imaginaria que, um dia, tinha sido um cientista brilhante, um que todos admiravam e respeitavam. Atualmente parecia um louco foragido no fim do mundo.
- Chá? - ofereceu cortês.
O homem negou, após ver as xícaras encardidas de sujeiras. Fora que estava ocupado observando o local com atenção, não deixando passar nenhum detalhe, como sempre.
- Você não liga mais para nenhum objeto de alto valor, como dá para ver... Livrou-se de todas as riquezas que possuía, exceto pelas medalhas - falou com uma sobrancelha erguida.
Hemus suspirou fundo, fazendo o chá para ele mesmo, nada surpreso com a visita repentina que tinha recebido. Sabia que Monish jamais o acharia ali, mas ele não o culpava, já que poucos conseguiam superar Robert Hemmings.
- Elas me lembram de que nem sempre eu fui um perdedor. Que já tive meus dias de glória, por mais que agora pareçam meras ilusões.
O homem assentiu, compreendendo. Era fácil perder a noção dos acontecimentos, datas e até mesmo parte da sanidade mental quando ficava isolado por tanto tempo assim.
- E como você está? - puxou assunto, tentando ser delicado.
Hemus sorriu desacreditado e, no fundo, zombeteiro. Realmente, as pessoas mudavam... Ou tentavam, ao menos.
- Ora, deixe disso. Você não se importa. Muito menos eu. Nunca foi bom em disfarçar suas reais intenções.
Robert correspondeu o sorriso, não podendo deixar de concordar. Até tentava, mas era difícil demais ser alguém que ele não era.
- É, eu sempre fui mais direto ao ponto.
Hemus bebericou o chá, não deixando de olhar para ele quando disse provocativo:
- Kelsey é quem cuidava da parte de ser gentil. E ela não precisava fingir.
Robert congelou ao ouvir aquele nome ser pronunciado. Pôde jurar que seu coração tinha parado por um segundo. Era difícil se lembrar de algo que tentava se esquecer frequentemente. Travou o maxilar, tentando segurar seu surto de raiva, como teria acontecido há muitos anos.
Hemus notou isso.
- Você é realmente um novo homem, mas vejo que não conseguiu deixar seu passado para trás. Não completamente.
Robert fechou os olhos com força, agora sentindo apenas dor, como nunca.
- Há laços inquebráveis - sussurrou.
O grego assentiu, agora parecendo sentir até mesmo certa compaixão.
- E eternos.
Os dois ficaram em silêncio por alguns segundos, nostálgicos e se recordando do passado que ambos tinham divido muitas partes - por viverem no mesmo ambiente durante anos a fio.
Até que o mais velho resolveu voltar à conversa principal.
- O que quer saber?
Robert o encarou surpreso, não esperando por aquela pergunta.
- O que mais teria vindo fazer aqui na Finlândia a não ser me procurar para obter informações?
Agora um sorriso esperto surgiu em seu rosto, cínico, como sempre era.
- Dizem que é a terra do Papai Noel. Sempre quis conhecê-lo.
- Bom, quando ele passar a existir não me esquecerei de avisá-lo - rebateu. - Agora, chega de enrolação. O seu tempo é precioso, Robert, mas o meu também é.
Sem mais delongas, o herói se aproximou, sentando-se na frente do anfitrião, resolvendo, por fim, abrir o jogo.
- Conte-me tudo o que sabe sobre Monish. E não tente me enganar. Não importa onde esteja, seja no fim do mundo ou em uma cidade populosa, você tem informantes em todo lugar. Eu sei disso.
Hemus não pareceu surpreso. Já esperava por isso quando se deparou com o homem parado em sua porta.
- Onde Monish está? - Robert perguntou.
O homem o olhou com atenção, querendo ver sua reação.
- Ele está aqui. Sempre estará.
- Aqui onde?
Olhou para os lados, tenso, mas parou ao ouvir a risada irônica do mais velho. Ele se aproximou, botando seu dedo indicador em cima de sua testa.
- Dentro de nossas mentes.
Robert se afastou do toque do homem, agora voltando a ficar sério. Faria o temido senhor das mentes pagar por todo o mal que havia causado e por tudo que ainda causaria.
- Não por muito tempo.
Ele estava decidido. Acabaria com Monish nem que fosse a última coisa que fizesse em sua vida. Só assim poderia morrer em paz, sabendo que seu filho estaria em segurança.
Hemus levantou a xícara, como um brinde silencioso.
- Fico feliz que esteja de volta - ele deu um sorriso esperto. - Ouvi muitas coisas ao seu respeito.
O homem já estava se direcionando a saída, tinha entendido já que não obteria nenhuma informação útil ali, todavia, parou ao ouvir aquela frase que havia chamado sua atenção.
- Mesmo depois de todo esse tempo?
Robert sempre fora o assunto do momento, mas não imaginava que ainda seria, mesmo depois de tecnicamente estar morto.
- Você é uma lenda, Robert Hemmings.
Hemus deu um sorriso misterioso e seus olhos brilharam, cheios de segredo. Completou sua frase, bebericando o chá pela última vez, mas ainda sim o encarando.
- E lendas nunca morrem.

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