Capítulo três

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         E da fumaça vieram gafanhotos sobre a terra; e lhes foi dado poder como o poder que têm os escorpiões da terra.

Apocalipse 9.3

(Adriel)

SÃO PAULO (BRASIL, AMÉRICA UNIFICADA)

O silencio é absoluto àquela hora da noite. Nada além dos sons dos "animais" o abala. Adriel sabe que não são animais, e que apesar de estarem em um número pequeno – um em cada cidade, segundo seus pais – eles fazem um grande estrago. Os pais de Adriel acreditam muito que O Momento está próximo. Eles só não dizem que momento é esse.

Às vezes Adriel apanha da mãe, quando ele pede permissão para ir à igreja católica. Os pais não são católicos, eles se dizem Crentes Ao Novo Rei. Os garotos da escola dizem que os pais de Adriel fazem parte de um culto satanista. Ele não quer acreditar, mas é o que parece. Os pais dele trazem três meias luas na mão direita. Alguns dizem que aquela é a marca do demônio, e ele já leu sobre a Marca numa bíblia, é claro que seus pais não sabem disso.

-Adriel? – Eleazar, seu pai o chama.

-Sim, Eleazar – Adriel responde. Sua mãe Lília não gosta que ele chame-os de "pai" e "mãe".

-Pode me chamar de pai, meu filho.

Adriel sorri na escuridão. Seu pai é diferente de Lília, ele gosta que Adriel o chame de pai.

-Onde está Lília? – Adriel pergunta.

Eleazar caminha até a beirada da cama do filho, mal tropeçando – sua visão era boa, mesmo à noite. Adriel espera seu pai sentar, mas ele não o faz. Ao invés, ele passa direto e para perto da janela. Observa o breu do lado de fora. Adriel daria muito para saber o que o pai pensa, mas ele não se atrevia a perguntar.

-Pai, há algo errado? – Adriel pergunta baixinho.

Eleazar suspira.

-Sim meu filho, há algo errado. – ele para, calculando o peso que suas palavras terão sobre seu filho. Passados alguns segundos ele continua: – mas nada que já não esperássemos.

Adriel não entende o que seu pai quer dizer, mas assente. Um gesto maduro para um garoto de apenas onze anos. Ele escuta a risada baixa de seu pai, que é suave, comparada a de Lília, que é áspera e meio malévola nas poucas vezes que ele a ouviu. Sua mãe é fria, como gelo, Adriel não se lembra de alguma vez já ter recebido algum carinho maternal.

-A partir desta noite você terá que ser forte. – Eleazar diz – O holocausto começa agora.

E Eleazar se vai, deixando para trás um Adriel muito confuso.

Só mais tarde Adriel compreende o que seu pai quis dizer com "o holocausto começa agora."

Ele ouve um grito cortar o silêncio sepulcral da noite. Um dedo gelado se arrasta por sua coluna, entorpecendo-a momentaneamente. E em seguida o zumbido de insetos, muitos deles, soa. São insetos alados, é tudo que Adriel sabe.

Combatendo o medo que gela seus ossos, Adriel se levanta e vai até a janela. Seu coração bate em disparada, cavando um buraco para fora do peito, seus olhos tentam distinguir algo no escuro através do vidro. Sua mão tateia no batente da janela e acaba por encontrar algo frio e plástico com uma coroa metálica. Um isqueiro.

Adriel o apanha e bate o dedo na roldana áspera, o isqueiro estala e acende. Uma pequena chama azulada. Ele a direciona para a janela e a ergue acima da cabeça para que a fraca luz fornecida se espalhe. Ele ainda não consegue ver nada útil, só uma roseira e um eucalipto. Mas então... Pop! Algo bate contra o vidro.

Ele pula para trás assustado, e acaba deixando cair o isqueiro. Ele se abaixa tateando nervosamente pelo objeto, uma missão quase falha, pois o medo que corre por suas veias é tão forte que ele não sabe o que procura, até que acha. Ele acende o isqueiro novamente e volta para a janela, trêmulo.

Ali, no vidro, agora trincado, há um enorme gafanhoto, de mais ou menos trinta centímetros, agitando as enormes asas que parecem de plástico fino e endurecido. O topo da cabeça e as antenas são da cor de ouro brilhante e até parecem feitos do metal. E do que Adriel acha ser a boca do inseto, escorre uma baba espessa e alaranjada.

Aquele inseto pré-histórico e de aparência feroz dá arrepios em Adriel.

O pop, pop no vidro o assusta mais uma vez. E agora ele sabe que são mais gafanhotos. O vidro estala e se estilhaça em pedaços que voam para o rosto de Adriel.

Ele grita. 


As Crônicas Do Apocalipse: O Fim da Luz Onde histórias criam vida. Descubra agora