(Adriel)
Adriel aperta o dedo sobre a faixa branca em sua mão direita. O ferimento sob a faixa lateja. Ele consegue ignorar a dor por alguns minutos, mas ai ele aumenta o aperto sobre o ferimento e sente vontade de chorar. Quando os gafanhotos invadiram o quarto dele na noite anterior, ele cortara a mão com um caco do vidro quebrado. Eleazar fizera o curativo, Lília apenas observara com desgosto.
Ele olha para frente da sala de aula, quer desesperadamente sair correndo da aula de religião. Não que ele não goste, mas sempre fica constrangido por seus colegas terem o que falar sobre o assunto e ele não.
Uma garota sentada ao lado de Adriel se inclina na direção dele, sorrindo. Ele nunca a vira ali, ele tem certeza. Não seria fácil ignorar alguém como ela, pequena, bonita e com cabelos cinzentos tão lisos.
-Oi – ela sussurra os olhos pretos cintilando tons de prata – Eu sou Willa.
Adriel se esforça para retribuir o sorriso, mas acaba falhando. Está acostumado ao silencio, já que as outras crianças não gostam de ficar perto dele. Os outros só dirigem a ele uma palavra quando é pra insultar seus pais ou a ele.
-Adriel – ele também sussurra.
-Eu sei. – Adriel olha para Willa confuso. Então a menina se apressa para explicar – Kaya, minha mãe, conhece Lília. Sua mãe me mostrou uma foto sua.
Adriel se lembra de ter ouvido Lília falar com uma mulher no telefone, e o nome dela é Kaya. Ele engole seco e olha para frente. Os olhos castanhos fixos no quadro negro sem realmente ver o que está escrito. Uma gota de suor escorre por seu pescoço fazendo um caminho frio ao descer por suas costas. Ele sente que algo está errado, como sempre, mas desta vez é diferente, parece pior.
-Por que chama sua mãe pelo nome? – Adriel pergunta, embora saiba a resposta.
Willa solta uma curta risadinha, mostrando os pequenos dentes brancos. Ela olha para Adriel, divertida.
-Você sabe por quê. Sei que também chama sua mãe pelo nome. – ela diz.
Desta vez Adriel realmente sorri. Willa é esperta, nem parece uma criança.
-Quantos anos você tem? – Adriel quer saber.
-Dez. – Willa responde sem rodeios.
Passa-se um longo silencio entre os dois. Adriel sente-se novamente desconfortável. Se a mãe de Willa for como Lília... Bem, ele não quer pensar em mais gente como Lília no mundo. Lília é má, cruel, nem um pouco maternal. Ele sente que ela o odeia, e isso dói. Tudo que ele quer é que sua mãe o ame, e que ela demonstre o mínimo de carinho por ele. Mas ela só sabe agredi-lo com palavras e com golpes.
Ele lança uma breve olhada no rosto de Willa. Parece tão diferente, pálida demais, doce e atrevida, diferente de Adriel que é pálido também, mas é tímido e temeroso. Será que os pais de Willa a tratam como os pais de Adriel ou pelo menos como Lília? Adriel desvia o olhar quando percebe que ficou tempo demais olhando para Willa. Ele ouve mais uma risada suave dela. Por dentro Adriel ri também.
-Você é chato. – Willa murmura apoiando o queixo fino na palma da mão.
Adriel olha para Willa, sério. A menina olha para ele com uma sobrancelha cinza arqueada, e isso o faz ri. Ele vê os olhos de Willa brilharem por ter arrancado uma risada dele, e isso o faz rir mais uma vez.
-Nossa. – Willa comenta baixinho – Você sabe rir.
Ele quer dizer a ela o quanto isso é raro, mas acha melhor guardar as desgraças para ele mesmo. Aliás, não é da conta de Willa.
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As Crônicas Do Apocalipse: O Fim da Luz
FantasyO mundo não é mais o mesmo. E com a terceira guerra mundial tudo só piorou. As profecias do antigo livro do fim finalmente se cumprem e o caos se instala mais forte do que nunca. A Marca se propagou como uma praga, as pessoas mostram sua verdadeira...