prologo

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Alguém bate na porta de casa, minha mãe me abraça mais forte, vejo as lágrimas em seus olhos. Queria poder dizer para ela que vai ficar tudo bem, que ela sempre vai poder me ver, e que eu nunca vou esquecê-la. Mas sei que é mentira. A abraço mais forte ainda, tentando nos fundir, mas é impossível. Então me desvencilho de seus braços, seco suas lágrimas e olho no fundo de seus olhos, falando as palavras mais significativas e profundas que consigo pensar no momento, mas como ela é surda/muda, acabo falando as em libra "eu te amo tanto mãe, prometo que vou ficar bem. Cuide-se, não se esqueça."

As batidas ficam mais insistentes, estou tentando me despedir dos meus pais, e sei que quando abrir a porta os homens do outro lado não me deixarāo fazê-lo. Me viro para meu pai, seus olhos e cabelos são das mesmas cores que os meus, não que eu já tenha visto pois nunca me vi no espelho, é proibido aqui, mas sempre me disseram isso. Nunca fui tão ligada a ele quanto sou com minha mãe, então nós só nos abraçamos e separamos. Minha mãe não é tão bonita quanto ele, por isso não foi escolhida, mas é a mulher mais doce que já conheci. Dou adeus aos dois e vou em direção à porta.

Seguro a maçaneta e fecho os olhos, desejando que as coisas não funcionassem assim, que eu tivesse alguma escolha, que todas tivessem uma escolha. Mas não temos. Só podemos aceitar o que nos é imposto para não sofrermos as consequências. Abro a porta e e dou de cara com uma mulher não muito alta, mas menor que eu, ruiva e um pouco gorda, e de terno. Nada de acordo com os padrões de beleza. Esse deve ser o único cargo, fora enfermagen, que as mulheres podem ter, buscar outras mulheres.

-senhorita...- diz a mulher, olhando para uma prancheta de madeira em suas mãos e folheando as páginas procurando por algo, vejo a indiferença em seu olhar quando se volta para mim, sem mexer a prancheta que está a centímetros do rosto, atrás do enorme óculos com seus pequenos olhos cor de mel semi-serrados - melissa Queen?

- sim.- digo meio apreensiva. Começo a mexer na barra da minha minha blusa e, dando uma última olhada para minha mãe, fecho a porta.

- você acabou de completar 18 anos, então precisa vir comigo, já deve saber por que né querida?- pergunta abaixando a prancheta e colocando a mão livre ao lado do corpo.

Afirmo sua pergunta com um simples aceno de cabeça. Não consigo falar mais nada no momento. Ela pega minha mão e me leva para o banco traseiro do grande carro preto, fechando a porta logo em seguida.

- não precisa se preocupar com nada material, você vai ter tudinho o que precisa.- diz entrando no banco da frente e um tipo de janela totalmente preta sobe do meio do banco onde ela está, tampando minha visão para o lado da frente.

Começo a me mexer desconfortável no banco. Nunca andei de carro, tudo na vila é perto, e só os ricos podem ter esse luxo. Minha família é bem simples, vivemos numa das vilas mais modestas da região, minha mãe é enfermeira e meu pai era soldado. Agora que está velho se aposentou e minha mãe já está chegando em seus dias.

Paro meu devaneio quando meu coração começa a bater forte. Sinto o lugar começar a ficar apertado, minha testa pinga de suor e minha garganta se fecha, bloqueando qualquer entrada de ar. Talvez eu seja um pouco claustrofóbica. Tateio a porta tentando achar algo para me segurar ou que me ajude a sair daqui desesperadamente, mas não acho nada, as janelas são totalmente pretas e, mesmo com o sol brilhando fortemente lá fora é impossível ver ele. Começo a ficar zonza pela falta de ar e, com as poucas forças que tenho, tento bater na janela que está entre os bancos. Porém a tentativa é em vão, pois minha visão começa a ficar embasada e tudo para.

Eu acabo passando o tempo em que tudo fica escuro pensando na vila, nas minha únicas amigas Nina e Amber, que sempre estiveram comigo, mas são mais velhas e, como eram bonitas, acabaram sendo levadas também. Nos meus pais, na minha pequena casa, na escola que nunca gostei.

Isso tudo que está acontecendo é bem simples, se você mulher for de acordo com os padrões de beleza, quando completar 18 anos, o governo vem e te leva para alguma lugar, onde não tenho a mínima ideia. Só sei que lá você é leiloada e o homem que pagar mais caro te leva para casa e você vira propriedade dele. Se você é homem, tem de 20 a 30 anos, se é feio ou bonito, rico ou pobre, tem que escolher uma mulher. Mas a maioria dos homens pobres não consegue uma bonita lá, e fica com as que sobram, que estão fora dos padrões de beleza, se casa com uma delas e as que não acham ninguém são esquecidas, e acabam morando nas ruas , pois não se tem muitos empregos para mulheres ou acabam sendo mortas. Alguns têm a chance de se casar por amor, como meus pais.

Se você é uma mulher bonita, na escola te ensinam tudo normal e uma matéria extra de como uma mulher deve se comportar perante um homem e blá blá blá. Nunca prestei atenção nessas aulas, aí quando você é comprada, deve fazer tudo que seu dono disser e mandar você fazer. Isso acontece por que desde o começo dos tempos o homem fala que a mulher só serve para procriar e satisfazer os prazeres do homem, e quando as mulheres se rebelaram contra isso, o governo tomou medidas drásticas que acabaram levando a isso que é hoje. Então basicamente nós vivemos como escravas, somos esquecidas ou mortas.

my PreciousOnde histórias criam vida. Descubra agora