Meu lado Alice

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— Eu... Nem eu mesma sei, nesse momento... Eu... Enfim, sei quem eu era quando me levantei hoje de manhã, mas acho que já me transformei várias vezes desde então   ̶  gagueja Alice.

Vivian, a garota loira, encara as cadeiras vazias do teatro com emoção, enquanto ensaia sua personagem. Seus olhos estão úmidos e a voz sai entrecortada. Seu longo vestido de Alice no País das Maravilhas arrasta-se para cá e para lá sobre o palco.

Encolho-me ainda mais contra a bancada em que estou sentada. Assisto ao ensaio do teatro com certo arrepio. Meus olhos estão tão marejados quanto os da atriz, me pego pensando se um dia conseguirei atuar com tamanha vivacidade.

— Poderia me dizer, por favor, que caminho devo tomar para ir embora daqui?   ̶  indaga Alice.

— Isso depende muito de para onde quer ir   ̶  responde Peter, com olhos astutos, encenando o Gato.

— Para mim, acho que tanto faz   ̶  diz a menina.

— Nesse caso, então, qualquer caminho serve   ̶  ele responde.

Meus olhos se perdem na imensidão da cena por um momento. Apesar de, há pouco, acompanhar o ensaio com encanto, acabo me deixando levar em pensamentos, enquanto limpo sutilmente uma lágrima com a palma da mão.

"Qualquer caminho serve".

A frase fica entalada na minha garganta e ecoando em minha cabeça intermitentemente. Enquanto os atores prosseguem com a peça, preenchendo o palco com sensações, paixão, fervor e lágrimas, eu me pego tentando preencher as lacunas vazias da minha vida, lutando contra as emoções que uma frase tão pequena me desencadeou. Tão pequena, mas com uma profundidade tão imensa que me acerta em cheio.

Há meses venho deixando a vida me levar para onde ela bem entender. O motivo? Simplesmente cansei. Cansei da rotina que levava em um emprego que não me agradava nem um pouco, cansei da correria do dia-a-dia, lotado de compromissos banais enquanto mal sobrava tempo para mim mesma, para estar com quem eu amava, para me dedicar ao que eu queria e não ao que a sociedade me induzia a querer.

Larguei tudo para seguir um sonho, todavia, confesso que falhei. Afinal, não sabia qual caminho seguir. Não sabia o que fazer para alcançar o que tanto estimava. Minha mente clareia a medida que as lágrimas inundam meus olhos. Agora as vozes estão distantes e, com a visão embaçada, tampouco vejo.

Contudo, o gatilho já foi disparado. Eu apenas iria assistir ao ensaio da peça de teatro, mas acabei frente a frente com meus próprios demônios. Finalmente compreendo que sei muito bem o que quero, então, afirmo com convicção: não é qualquer caminho que me serve.

Eu faço meu próprio caminho, eu trilho meus próprios passos. Eu, e somente eu, transformo os meus sonhos em realidade.

Agora eu sei.

Obrigada, Alice.


Marcas Indeléveis - CrônicasOnde histórias criam vida. Descubra agora