Tudo começou com uma grande explosão de luz. Eu estava em uma sala branca, quase resplandecente de tão clara. Muitas pessoas semi-mascaradas usavam o que depois descubro serem máscaras cirúrgicas. Por um momento, sentei-me na cama macia e igualmente branca, atordoada, sem saber onde estou, por que e como fui parar ali.
31/03/2008
Uma enxurrada de lembranças invade minha mente: rostos que são apenas borrões das mais variadas expressões, uma casa bege em meio a árvores sem folhas, crianças correndo e brincando em um jardim florido, um quarto escuro com uma janela aberta revelando um céu com poucas estrelas e uma cidade de muitas luzes; amigos e uma pequena menina, provavelmente com não mais de sete anos e de cabelos escuros cobrindo os pequeninos ombros.
Lembro-me de tudo. Todas as coisas boas e ruins da minha antiga vida. Ao mesmo tempo, porém, sei que nunca voltarei a ter nada disso. Ninguém precisou me dizer. Tudo acabou. A partir de agora, minha vida seria diferente.
Outra coisa eu também sabia, embora tenha descoberto vários anos depois: foi a pior escolha que eles poderiam ter feito, e vai arruinar tudo o que eles mais prezam.
11/04/2008
Já faz dez dias desde o meu primeiro Teste. Bom, para explicar de uma maneira simples e rápida, o Teste consiste em injetar os mais diversos produtos químicos no sangue do paciente e analisar as reações emocionais. Estilo Divergente, sabe? Se você demonstrar qualquer um dos sentimentos considerados impróprios, é descartado. Não faço a mínima ideia do que "ser descartado" quer dizer, mas parece bastante ruim pelo jeito como me contaram. Só de ouvir falar sinto calafrios pelo meu corpo.
Audrey, uma das principais enfermeiras responsáveis pelo meu Teste, disse que os produtos seriam aplicados aos poucos, pois eu ainda não tinha idade suficiente para reagir a algumas coisas da forma como eles esperavam. Só estaria "pronta" quando completasse quinze anos. Por um momento penso em questionar o que uma criança poderia não sentir, mas sei que serei repreendida se fizer qualquer pergunta, então me mantenho em silêncio..
Naquele dia, porém, não consegui me segurar. Eu estava curiosa demais para esconder: perguntei a ela, pela primeira vez, por que eu tinha que agir da maneira como os outros desejavam ao invés de como eu quisesse. Foi a primeira vez que ela deixou sua gentileza habitual de lado e me encarou com desgosto. Soube que fiz bobagem, devia ter ignorado a minha própria bisbilhotice como havia feito com os Testes. Ela me olhou e disse "Apenas haja de acordo e não faça perguntas se quiser viver bem. Por quê sofrer se você pode apenas se adequar aos padrões? É mais fácil! Você é uma menina tão boa! Não estrague tudo sendo alguém ruim".
Eu só tinha 9 anos. Nove anos e já sendo instruída a permanecer nos padrões aceitáveis da sociedade. "Não reaja!", sempre que sentia raiva. "Onde conseguiu essa blusa preta, você quer ser descartada?", toda vez que colocava algo mais escuro que o branco puro. Nunca entendi o que as cores das minhas roupas queriam dizer sobre quem eu sou.
Mais tarde, já nos meus doze anos, houve um novo Teste, mas dessa vez acompanhado de uma conversa com um dos nossos governantes — Ian Adams, segundo seu crachá de identificação. Ele estava completamente vestido de branco, assim como todos os outros governantes que eu já havia visto.
— Há algum tempo, a nossa sociedade vivia numa situação de caos. A população estava dividida em muitas classes sociais, grupos com características diversas que divergiam desde a cor da pele até a orientação sexual. As pessoas corretas, porém, não aceitavam essas outras e tentavam a todo custo mantê-las afastadas. Em determinado momento, esses diferentes resolveram se rebelar: eles queriam seus direitos, queriam respeito, e conseguiram doutrinar as pessoas para que as aceitassem. Felizmente, alguns cidadãos permaneceram sãos: eram os Conservadores. Esse grupo encontrou uma maneira de acabar com todos aqueles rebeldes. Dois anos depois das manifestações foi estabelecido o chamado Golpe da Nova Liberdade: devastaram uma grande área de uma floresta tropical e construíram no lugar uma nova cidade isolada do resto do mundo apenas para pessoas perfeitas. Foram feitas casas completamente iguais, para não gerar a discórdia e inveja, locais de trabalho suficientes, para que toda a população tivesse um emprego, e locais de lazer para passar o tempo de ócio.
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Teoria do Caos
AdventureComo uma simples escolha pode mudar todo o nosso futuro? Até onde estamos dispostos a ir em busca de aceitação social? Curtam a publicação da página Temos Histórias e me ajudem a atingir a publicação digital! É só clicar no link https:...