Capítulo 8

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01/04/2016

Acordo com as sirenes explodindo em meus ouvidos. Por que esse negócio tem que ser tão alto? "Eu não sou surda, acordo com facilidade". Levanto completamente de mau humor, me espreguiçando. Desço da cama num salto, com preguiça demais para usar a escada. Troco de roupa sem me importar com Lara no quarto. Ela é menina também, afinal. Além disso, eu estava de costas. Depois de devidamente vestida, encaro minha amiga e percebo que ela está com uma cara de sono bem parecida com a minha, mas ela não parece tão sobressaltada. É provável que já esteja acostumada com isso.

— O que está acontecendo? — Pergunto, me sentindo perdida.

— É hora do Teste. Ninguém te avisou?

— Ah, é verdade. A Stephanie comentou comigo ontem. — Faço com que o rosto de Lara se contorça numa expressão de desgosto — Mas por que tão cedo? E qual é a do alarme ensurdecedor?

— Bem, pelo horário... Acordamos essa hora todo dia. Você pode dormir mais, mas vai perder o café da manhã e receber uma intimação assim que acordar. A sirene é alta e ritmada dessa forma porque produz alguns padrões específicos no nosso cérebro e nos deixa mais despertos do que quando somos acordados por um despertador comum. — Explica, logo depois de rir um pouco.

— Acho então, que antes de acordar, vou ficar surda. — Sorrio. — Como você acha que vai ser o Teste?

— Ah, nada de mais. São sempre muito parecidos: corrida por alguns minutos, perguntas simples e depois algumas injeções coloridas que ardem passando pelo sangue.

— Ardem?! — Fico um pouco assustada — Vai arder? Dói muito?

— Calma, Marian, sem chiliques, por favor. É como se estivessem injetando lava nas suas veias, só isso. — Ela ri ao ver a minha expressão — É brincadeira, você nem vai sentir nada. — Mas era tarde demais para me acalmar.

— Não tem como fugir desses Testes? — Peço com um mínimo indício de esperança que logo é destruída pela expressão séria com que Lara me encara — Está bem, já entendi. Vamos logo.

— Calma, também não precisa se apressar. Vai me dizer que não está com fome?

Seguimos lá para baixo, para a sala de convivência. É estranha vê-la assim, quase vazia, se não fosse pelas poucas pessoas descendo as escadas e indo, como nós, tomar café da manhã.

Do lado contrário ao da porta pela qual entrei ontem, há outra, idêntica, que leva a um corredor longo e bem-iluminado. É possível ouvir as conversas altas lá longe, os jovens recém acordados e provavelmente nervosos ou ansiosos para o Teste daquele mês. Entramos no local e logo Lara acena para seus colegas, os mesmos do grupo de ontem. Consigo ver Stephanie e Tyler sentados um ao lado do outro, perto de outros três jovens que eu vira, mas não conversara.

— Bom dia, pessoal! — Cumprimentamos. — Ainda tem lugar pra gente aqui?

— Sempre tem lugar pra vocês, Lara. — Diz Tyler, sorrindo.

— Ótimo. Vamos lá buscar um pouco de comida. Venha, Mare. — Me chama pelo apelido que Caleb costumava usar. Aquela última palavrinha é como me dar um soco no estômago, mas tento me manter neutra. Sigo Lara para pegar o café da manhã. Dentre as opções disponíveis tínhamos dois tipos de pão, dois de bolo e algumas geleias, assim como café, leite e água.

— Você não pode pegar de tudo, tem que escolher duas porções apenas, por isso pense bem. — Ela me alerta antes que eu tenha tempo de encher o prato demais.

Okay, obrigada por avisar, já estava mesmo pensando em comer tudo. — Sorrio.

Terminamos de nos servir e voltamos para a mesa. A turma conversava animada sobre alguma coisa que não compreendi muito bem, mas pareciam estar se referindo à mesma coisa que todos os outros na sala: o Teste. É tudo muito novo para mim, tento me concentrar em cada palavra, mas tudo em que consigo pensar é no gosto daquele bolo maravilhoso ou a sensação que o café escaldante me proporciona. Só percebo que todos me encaram em silêncio quando Stephanie me chuta de leve por baixo da mesa.

— O que foi? — Pergunto com a boca cheia.

— Queremos saber como você está se sentindo. — Questiona Tyler, me olhando e fazendo com que eu me envergonhasse ainda mais. Engulo tudo antes de responder alguma coisa.

— Nervosa, acho. Mas já passei por isso, não é tão diferente assim dos Testes de quando eu tinha nove anos, né? — A pergunta faz com que o grupo solte uma pequena risada.

— Se prepare, você não sabe o que te aguarda. — Fala um dos meninos com quem eu ainda não tinha conversado. Seus cabelos loiros estavam levemente mais bagunçados hoje do que quando o vira ontem. Fico preocupada com essa afirmação, mas torço para que seja só uma tentativa de me assustar um pouco.

— Gente! — Repreende Lara, mas ela estava sorrindo também — Ela já está nervosa, não piorem a situação.


***


Mais tarde descubro que o garoto estranho tinha toda a razão. Aquilo é muito pior do que quando eu tinha nove anos. Todos os jovens haviam sido levados até outra daquelas salas iguais as que o governante tentara me explicar as regras do lugar quando cheguei, mas essa estava repleta de cadeiras, uma para cada jovem, e era apenas uma recepção da outra sala onde provavelmente estavam sendo realizados os Testes.

Levou quase duas horas até que fosse a minha vez e eu tive um longo tempo para me assustar com imagens de pessoas sofrendo dores lancinantes depois de terem líquidos injetados no corpo, suando frio e contorcendo os membros.

Quando entrei na sala, minhas mãos já estavam escorregadias devido ao suor frio. Fui incitada a me deitar em uma maca branca e relaxar, mas meu corpo continuou tenso, por mais que eu tentasse pensar em coisas boas.

— Não se preocupe, não vai doer nada. — Diz a mulher sentada ao meu lado, a que me aplicará as injeções.

E não dói mesmo. Sinto um calor subindo pelo meu corpo, mas toda a dor vai embora quando a inconsciência chega.

Era como um sonho bastante real. Eu estava novamente com Stephanie parada na minha frente. Ela sorria falsamente e falava coisas incompreensíveis que apenas me deixavam com raiva.

Eu tinha vontade de arranhar seu rosto, queria ver o sangue escorrendo dele e pingando no chão, mas eu sabia o que era aquilo: era a injeção da raiva, e eu precisava controlá-la. Respiro fundo e encaro-a tentando compreender ainda menos suas palavras.

Logo após, vejo Tyler se aproximar, ainda no sonho. Sinto uma coisa estranha nascendo em meu peito assim que outra picada é perceptível em meu braço. Ele empurra Stephanie para o lado e grita com ela. Sinto um prazer enorme vendo aquela cena, mesmo sem entender nada do que ouço.

A menina vai embora e Tyler fica ali, parado, olhando para mim. Ele se aproxima devagar, principalmente com o rosto. É então que reconheço aquele sentimento e sei que tudo o que devo fazer é resistir. Não posso me aproximar. Pelo contrário, preciso me afastar, preciso ir embora.

Momento também que entendo outro pensamento imposto por aquela sociedade: preciso me privar de tudo o que tiver vontade para ter uma boa vida aqui.

A Teoria do CaosOnde histórias criam vida. Descubra agora