Amigo

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Acordo suando frio, com medo, não era a primeira vez que aquele sonho atormentava-me. Uma guerra, muitas mortes, um sofrimento que parecia não ter fim. Ao levantar-me levo um susto, a minha mãe estava em pé ao lado da porta.


— Isto são horas de se levantar? — Disse a minha mãe, olhando seriamente para mim.


Ela chama-se Arenna, tinha cabelos curtos, lábios rosados e olhos negros da cor da noite.

— Dormi tarde novamente.

— Ficou a olhar o livro que era do seu avô até tarde de novo?

— Desculpa, sei como fica zangada quando fico a mexer nestas coisas e acabo-me esquecendo de dormir cedo... — Disse a olhar para baixo com as mãos nas costas.

— Arief está na sala te esperando.

— Esta bem, desço num instante. — Arief é meu melhor amigo de infância, por isso vivemos juntos, boa parte do tempo.

Troco de roupa e desço as escadas correndo com o meu grimório e a espada do meu irmão, Claus. Chegando a sala lá estava ele, com aquela velha espada do seu pai. Fui surpreendido quando ele apontava para a minha cabeça. Arief, a sua velha e chata mania de assustar-me.

— Até que enfim, já estava cansado de esperar. — Ele batia os pés, freneticamente.

Arief era baixo, com cabelos longos e bagunçados, lábios escuros e olhos puxados.

— Foi mal, acordei tarde, estava a observar as coisas que eram do meu avô. — Antes de morrer, ele deixou-me o seu Grimório e falou que no momento certo saberia usa-ló.

— Já sabia que esta demora toda estava relacionada a isto.

— Penso que nunca conseguirei a decifrar-lo, são como códigos que não consigo ler. — Suspirei.

— Esquece isso e vamos treinar. — Ele acenou para a minha mãe, enquanto andava até a porta.

— Não gosto de ir à Floresta Demonc, ela dá-me arrepios. — Demonc era uma floresta muito fechada e escura, por isso a evitava ao máximo.

— Deixe de enrolar e vamos logo, já estamos atrasados.

— Mas não sou bom com espadas.

— Vamos. — Gritou ele.

E seguimos rumo a floresta maldita.

A espada que Arief carregava era do seu pai, um antigo paladino que saíra de casa para guerra e nunca mais voltara. O meu pai morreu quando eu tinha quatro anos, por isso não me lembro dele muito bem. Dizem que foi para guerra, outros dizem que ele enlouqueceu, saiu um dia qualquer e nunca mais voltou. A minha mãe não gostava de falar no assunto.

Treinamos no mesmo lugar de sempre, a parte mais clara da floresta, onde não se dava tanto medo. Arief conseguia manusear a sua espada com boa coordenação e bons movimentos, enquanto a mim, mal conseguia segura-lá, só ia para alegrar o seu dia. Depois de um tempo treinando, sento e tento mais uma vez entender o meu grimório, foi em vão. Arief em seguida senta ao meu lado.

— Bem que o seu avô poderia ter dito para você como usa-ló — Disse ele com a sua voz ofegante.

— É, bem que ele poderia ter feito isso. — Ficamos alguns segundos em silêncio quando foi quebrado em seguida por Arief gritando.

— Vamos, levante, já estou com muita fome. Vamos para casa. — Ele encontrava-se a uma pequena distância de mim, com a sua espada por cima do ombro.

Demoro a levantar-me e percebo algo diferente, o silêncio toma conta da floresta e sinto que algo me observava, não sei ao certo o que ou quem. Por isso dou um grande suspiro e sigo Arief, que agora estava um pouco distante. Arief como sempre ia à frente, sempre animado. Enquanto a mim, ia de um modo lento e olhando cegamente para o chão. Quando caio, percebo Arief a minha frente, me olhando com um ar de curiosidade. De súbito, dou um pulo para trás me afastando daquele olhar curioso.

— O que está a acontecer?

— Nada — Respondi sem convicção alguma.

— Sei, como se não te conhecesse.

— Tive aquele sonho novamente. — Agora eu encarava o chão.

— Acredito que devia falar com a sua mãe sobre esses sonhos. — Ele parecia realmente preocupado comigo, mas acredito que, na verdade, só estava com medo.

— Não, jamais falarei sobre isso com a minha mãe. Ela irá dizer que é por causa das coisas do meu avô e vai acabar a toma-las de mim — Estava a ficar exaltado.

— Mesmo assim penso que... — Sem lhe dar tempo de terminar o que dizia, olhei-lhe furiosamente.

— Isto não é da sua conta, deixe que eu cuido disso sozinho.

— Sei bem como irá cuidar, se enfiando nesse livro de novo.

— Já falei, deixe que cuido disso — Sai furiosamente a frente, deixando-o para trás.

Demoramos um pouco até sair da floresta. Não vou à casa dele como de costume, sigo direto para a minha. Mas ao fundo pude escutar ele gritar:

— Tchau! Enoch, até amanhã.

Não lhe dei a mínima importância. Continuei a seguir, furiosamente.

A Última Magia (Pausado Temporariamente)Onde histórias criam vida. Descubra agora