Capítulo 9

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ATENÇÃO: este capítulo contém cenas fortes.

Já são quase 10 da noite. Paramos numa área pequena e plana. Entramos na barraca e nos preparamos para dormir, até que Ally diz que o remédio para as feridas acabou. Sua cara tem um forte tom de preocupação. Nos endireitamos em nossos lugares e dormimos.

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Acordo às 7 da manhã e as feridas estão ardendo um pouquinho. Não vejo Ally, e May ainda está dormindo. Ouço uns barulhos do lado de fora. Pego minha pistola e saio lentamente da barraca, preparada para o caso de algum ataque ocorrer.
   Olho para a minha esquerda e vejo Ally com a coluna curvada. Me acalmo um pouco e decido ver o que ela está fazendo.
   — Ally — chamo, me aproximando aos poucos, mas não há resposta. Apenas o que ouço é o barulho de coisas se tocando, uns gemidos e pequenos soluços. — Ally — tento novamente, e a mesma coisa. Me aproximo um pouco mais. — Ally! — falo mais alto, exigindo uma resposta.
   O que vejo é amedrontador. Ela se vira segurando um instrumento médico ensanguentado, seu olho esquerdo está sangrando e ela solta todo o seu choro. Aos poucos, percebo que seu olho não está mais ali.
   Ela o arrancou.
   Fico em choque. Caio de joelhos e observo a cena, pasma. Ally grita de dor e acaba despertando May, que sai da barraca com sua pistola, assustada. Quando olha para a situação de Ally, solta a pistola e corre em sua direção imediatamente. Ally está chorando muito e seu "olho" sangra bastante.
   Enquanto fico ajoelhada em estado de choque, May corre para a barraca e pega a mochila de Ally. Ela manda eu deixar Ally sentada em algum lugar, e eu a encosto numa árvore próxima. Seu rosto está horrível. Viro meu rosto para não olhar e espero May. Ela pergunta sobre o que fazer e Ally a orienta. Apenas imagino a cena enquanto Ally dá seus gritos histéricos de dor.

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Ally está apenas soluçando agora. Estamos dentro da barraca, e May improvisou um tapa-olho. Não sei o que fizeram, que remédio usaram, nada. Não tive coragem de olhar a cena.
   Olha, que ironia. Tenho coragem de ultrapassar o Muro com minhas amigas e pôr nossas vidas em risco, mas não tenho coragem de ver um pouco — nem tão pouco — de sangue. Parabéns para a minha valentia.
   — O que vamos fazer agora? — pergunto.
   — O que nos resta é ficar aqui cuidando dela. Pelo menos por um dia, ou muitas horas. — diz May, e Ally concorda com a cabeça.
   Parece que o dia vai ser entediante. Não, não entediante, pois quando eu fico perto de May e de Ally, sorrio até para o vento. Só não vamos ter nada pra fazer.

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Já é noite. Nós três ficamos o dia inteiro dentro da barraca tagarelando, mas agora, parece que o assunto morreu e elas estão com sono, ao contrário de mim. Lembro que trouxe meu caderno de poemas. Faz mais ou menos uma semana que não escrevo nada nele. Ele está na minha mochila. O povo da Terceira Província gosta muito de arte — música, poesia, dança, teatro, etc. Aprendi a gostar desde que nasci, mas ultimamente venho sentindo uma atração mais forte pela arte. Principalmente por poemas.
   Olho para o breu que está do lado de fora da barraca — está tão escuro que, se estivéssemos caminhando, teríamos de usar nossas lanternas —, pego o caderno e uma caneta e escrevo meu poema:

Escuridão

Sou o véu que cobre a noite
A companhia da luz do luar
Eu sou toda a imensidão
A temida, Escuridão

Ando sempre a largos passos
Árduos, mas sensatos
Quase sempre, perigosa
Muitas vezes, dolorosa

Sou a soberana negra
Bela e misteriosa
A imperatriz sombria
Obscura, tenebrosa

Alguns dizem que sou lúgubre
Outros dizem que sou fria
Muitas vezes, sou macabra
Outras vezes, poesia

Como posso me expressar?
"Um bom par pra solidão"?
Permita-me apresentar
Sou Majestade Escuridão

   Após escrever o poema, guardo meu pequeno caderno e a caneta e vou dormir.

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Acordamos às 8:15 da manhã, um pouco mais tarde do que costumamos acordar. Verificamos as condições de Ally e decidimos continuar a caminhada. May guarda a barraca e saímos na manhã fria.

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São 10:38. Acabamos de achar um lago. May e Ally estão tomando banho, mas está tão frio que eu não tenho coragem de entrar naquela água. De um jeito ou de outro, tenho de me lavar, mas a água que temos na mochila é para matarmos nossa sede. Não posso desperdiçar essa chance.
   Começo tirando a jaqueta, morrendo de frio. Depois, tiro a blusa de manga longa e fico só com a blusa de manga curta. Tiro a calça jeans e fico com a calça preta — e as roupas íntimas, lógico.
   Pego uma toalhinha que ainda não fora utilizada da mochila e molho-a no lago. Começo a passá-la nos meus braços. Em seguida, na barriga — que treme involuntariamente ao ter contato com a água fria do lago. Começo a passar no rosto quando sinto um tremor. Ally e May ficam atentas, assim como eu. O tremor vai ficando mais forte e elas saem da água rapidamente. Pegamos nossas coisas — com bastante dificuldade — e corremos. Pássaros voam para a direita bem acima de nós. Baseada nisso, afirmo que o perigo vem da esquerda. E eu estou certa.
   Ao longe — não tão longe —, vejo uma montanha. Imagino que seja um vulcão e grito isso para Ally e May. Elas me ouvem e olham para a montanha. O tremor fica mais forte e nós continuamos correndo.
   Segundos depois, lava — muita lava — começa a saltar do vulcão. Elas vão até o céu. É aí que percebo o perigo: elas cairão como chuva em cima de nós. Acho que May e Ally também percebem isso, pois corremos desesperadamente. Não há saída que consigamos alcançar a tempo. Nem para trás, nem para frente ou para a direita. Estamos fritas — ou melhor, ficaremos literalmente fritas em segundos.

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Bom dia, meu leitores! Como vocês estão?
Bem, tive que alterar a classificação do livro por causa deste capítulo... Não é todo mundo que aguenta, não é?
Espero que tenham gostado. Peço que comentem e votem. Aguardem o próximo capítulo!
Beijos da Rebs :*

Harpia: Além do MuroOnde histórias criam vida. Descubra agora