Para um casal que se encontrou pela primeira vez embaixo da árvore da deusa da sabedoria, meus pais estavam se saindo muito mal em matéria de tomar escolhas sábias, pois brigar certamente não é uma delas. MUITO mal. A ponto de deixar a filha deles sozinha todos os dias, sem exceção. Meu aniversário de 17 anos? Pode esquecer. Eles esqueceram também.Meu pai era filho da deusa grega da sorte, Tique, o que me tornava um legado de semideus: humana, mortal, mas com ascendente divino.
Enquanto meu pai ia pra Atenas para ter ideia de um jogo novo, minha mãe ia para vender um contrato importante. Se apaixonaram e por muitos anos tudo correu bem, até que um dia, tudo deu errado: as brigas começaram. Meu pai brigava com a minha mãe por conta do trabalho. Parecia que ela gostava mais de vender softwares do que da própria família.
Ou seja, o motivo do meu pai para brigar com a minha mãe era nobre, até o momento em que ele se tornou hipócrita e passou, aparentemente, a gostar mais de brigar e gritar do que da própria filha. Minha mãe, por outro lado, rebatia que trabalhava para sustentar a família e que tudo que meu pai fazia eram games idiotas, que não serviam pra nada. Ela até chegou a xingar uma vez o principal projeto em andamento de meu pai: uma realidade virtual em que você poderia escolher onde estava e o que fazia, ou seja, se eu quisesse entrar no cenário de Zelda e jogar como se fosse a vida real poderia.
Mas quer saber? Foda-se. Se eles brigavam a ponto de esquecer a própria filha, então eu era capaz de esquecer eles também, e foi o que eu fiz: todos os dias, quando chegava em casa, nem dizia "oi" para os gritos embutidos com raiva, e ia para o escritório do meu pai.
Aquele lugar era um paraíso em forma de cômodo. A parede era revestida de pôsteres de capas de videogames e ainda havia dois computadores, uma pequena TV e aparelhos de PS3 e PS4, Wii, Playstation, xbox360, super Nintendo, megadrive, atari, nintendo 3DS, nintendo 64, game cube... enfim, deu pra entender. Eu ficava lá o dia inteiro.
Como meu pai era idealizador de games, tinha quase todas as ferramentas possíveis para se jogar qualquer tipo de coisa. Todo mês, sempre trazia um jogo novo que ele mesmo havia feito para o escritório, e eu o zerava em uma semana. Esse foi o único tópico que ele não falhara comigo: fornecer um bom hobby á filha.
E então, tudo mudou.
Primeiro; eles pararam de brigar. Não sei se foi a terapia de casal, o fato de minha mãe ter sido demitida do trabalho ou meu pai ter criado um jogo sobre empresas de venda de software (minha mãe era gerente de vendas de uma dessas empresas). Mas eles pararam.
Segundo; eles perceberam que eu ainda existia. Passaram a dar oi sempre que chegavam em casa, meu pai me pedia conselhos sobre novos games, pedia pra jogar comigo, etc. Ele até trouxe um jogo novo diferente certo mês: era feito especialmente pra mim, um game-robô chamado B-T46-W com inteligência artificial pra falar comigo.
Terceiro; eu não aceitava. Não entendia como eles podiam falar comigo algo que não fosse "coma seu jantar, filha" ou "onde você pensa que está indo, Olivia?!". Eu simplesmente os ignorava e ia jogar sozinha.
Quarto: o dia 22 de março. Estava chovendo e eu conseguia ver uma tempestade se formando na nossa frente. Era uma das mais fortes tempestades que eu havia visto na minha vida inteira e, provavelmente, superava tempestades do jogo Song of Storms II: Extended Version (do meu pai).
Estávamos no hotel fazenda fazia só uns dois dias, desde que aterrissamos de avião em Nova York. Obviamente, eu levei na mala todos os meus jogos favoritos - Grand Chase, Final Fantasy, Assassin's Creed III, além de uns do meu pai como Saffire 5, Fourth of July, Going Nowhere, o tal do B-T46-W e um computador. Meus pais resolveram ir de carro para a cidade mais próxima comprar ingredientes para um jantar especial. Eu revirei os olhos e disse que não queria ir. Falei que ia ficar no hotel, jogando alguma coisa. Eles foram sozinhos e então eu observei o carro por alguns minutos, pensando: mesmo que eu odiasse o modo como eles me trataram durante minha adolescência, eles ainda eram meus...
Um trovão ribombou por toda a atmosfera, com tamanha força que fez meu coração parar de bater pelos poucos segundos enquanto eu administrava o que via: um raio descia pela tempestade a vir e atingiu exatamente o teto solar do carro, provavelmente matando o motorista e o passageiro.
Pais.
Eles ainda eram meus pais.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Olivia's game
Fanfictionsó uma história feita para uma gincana de PJO/HDO que eu não queria jogar fora - sobre uma gamer que, por meio de sede de vingança e muitas noites em claro jogando tudo que fosse possível jogar, conseguiu se tornar imortal.