Reencounter

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Literalmente, eu quase morri lutando com Ganondorf. Estava ferido, e no primeiro golpe de Zeus seria GAME OVER pra mim. Não poderia fugir, não conseguia nem levantar.

Por fim, o ser no qual eu estava evitando pensar apareceu na minha frente. Inspirei fortemente, me preparando para a batalha e segurando a espada com força.

Encarei os olhos profundos do rei dos céus. Sabia que não era o deus verdadeiro, mas mesmo assim olhar para ele fazia meus nervos se inquietarem de debaixo da minha pele.

Ergui a espada, pronto para desferir ou me defender do primeiro golpe, logo quando vi uma silhueta feminina atrás do forte deus e, a partir do momento que ela o tocou, ele desapareceu, como se nunca houvesse estado ali.

Olhei atentamente para minha possível salvadora. Usava um moletom preto de gorro com o Pac Man desenhado nele e uma calça jeans. Aparentava ter apenas 18 anos, a idade com a qual se tornou deusa, mas já deveria ter vivido uns 50. Seus olhos, azuis e frios como gelo no mar, pareciam não me notar, e sim me atravessar. Era quase como se estivesse em um estado de transe por muito tempo, ou simplesmente e genuinamente triste.

Mãe.

"O que faz aqui, Daniel?"

Tomei um susto, não esperava tamanha frieza. Desse modo, meu susto foi engolido por raiva.

"O que você acha, Olivia?!" Não usaria a denominação mãe naquela situação. Ela não merecia. "Você soltou todos os vilões na Terra. Eles sairam do controle, pararam de procurar e atacar Nice já faz certo tempo. Você achava mesmo que eles iriam seguir suas ordens? São vilões, cara. Não marionetes. Estão fazendo a única coisa que sabem fazer. Estão destruindo os lares de pobres cidadãos que não fizeram nada para você. O mundo está com medo de viver nas ruas, medo de abrir as janelas, medo de se comunicar, medo de viver. Há pessoas inocentes morrendo, o planeta vai ser sufocado por trevas e você não parece nem ligar".

Depois de cuspir essas palavras para fora, sem permissão de minha boca, analisava as minhas opções: tentar fugir antes que ela sequer fizesse o primeiro movimento, lutar ou simplesmente aceitar minha morte.

Estava olhando para o chão sem perceber, de modo que voltei meus olhos para cima, e vi algo que definitivamente não esperava ver.

Minha mãe estava chorando.

Ela havia saído de seu transe, e carregava uma expressão de puro sofrimento e surpresa. Podia notar as pequenas gotas de suas lágrimas escapulindo da janela de sua alma e caindo no chão irreal da arena de Mortal Kombat/Atenas.

"O mundo... está sendo... destruído?" Falou, com voz rouca, engasgando em suas próprias palavras.

Eu estava confuso. Pensava que ela sabia os estragos que havia feito, ou pelo menos se não sabia não ligava, mas ela claramente se importava. Toda a raiva que perfurava meu corpo anteriormente agora havia sido substituída por doce compaixão.

"Sim". Após pensar um pouco, perguntei: "Não há nada que você possa fazer?!"

"Sim, tem". Um controle de PlayStation tão dourado e brilhante que era difícil de olhar apareceu em suas mãos. "Desculpe, filho. Eu fiz isso para me vingar dos monstros que mataram meus pais e, após ter liberado os vilões para buscar Nice, não vi mais sentido na minha vida. Depois vim até aqui e passei meus dias dentro dessa mini realidade na qual poderia controlar tudo. Não sabia do efeito negativo de minhas ações. Acabei me tornando monstro pior do que aqueles que abominava". Sua voz soava doce e triste ao mesmo tempo.

Em seguida, ela simplesmente apertou o botão "START" do controle.

Quase ri. Ela ia acabar com o apocalipse apertando um botão? Sério isso, programação?

"Pronto, está feito. Assim que sair por aquela porta, você verá que nada dos últimos dois meses aconteceu. Nem você nem seus amigos vão perder as lembranças, mas será como em um sonho muito vívido, irreal mas muito detalhado. Desculpe, Daniel".

Andei para a porta, meio perdido. Só? Eu pensava que minha mãe fosse uma vilã perversa, pior do que aqueles que havia soltado no mundo, não uma gamer sensível e triste.

"Espere". Disse, hesitando. Devia mesmo fazer aquilo? Sem pensar na resposta, as palavras escapuliram de minha boca novamente. "Você vai continuar aqui? Hã... Podia voltar para como era na época que conheceu meu pai... Erm...Você viu que lançaram a última versão de Zelda?"

Por um momento, seus olhos brilharam com uma expressão que eu conhecia muito bem: a mesma emoção vista toda vez que olhava no espelho, certa adrenalina percorrendo as veias, uma imensa vontade de pegar o mais próximo console e jogar para sempre.

Ela sorriu, algo que eu não teria conseguido imaginar se não tivesse visto. "Não vi, não" E então sumiu.
Beleza então.

Andei até a porta, e quando a atravessei voltei á minha casa de infância, onde o robô se encontrava. Continuava achando-o estranho, por isso perguntei: "Por que você me deixou entrar?"

"A Terra estava sendo destruída e eu não era capaz de ignorar a ordem de guardar essa entrada dada por ela e ir até lá. Por isso te deixei passar". Falou com sua voz metálica. Se é que era possível, o robô parecia feliz.

"Hã... Qual é o seu nome?" Se é que ele tinha nome.

"B-T46-W" Disse. "Sou um robô-jogo que seu avô deu á sua mãe há muito tempo, e ela confiou em mim para guardar esse local".

Me despedi do B-T46-W e voltei ao Acampamento Meio-Sangue de ônibus. Era impressionante como o mundo estava novo em folha, como se nada houvesse acontecido. É, na verdade, nada realmente aconteceu.

Voltei para o camp, recebido por urras e boas vindas, sorrisos e aceitação. Após algumas noites de glória, voltei para minha vida normal: jogos.

Enquanto jogava a nova versão de Zelda sozinho no chalé, imaginei como seria uma luta com minha mãe.

Ela ia arrasar.

De repente, senti que havia algo atrás de mim. Lentamente, agarrei minha espada e virei para trás. Tanto eu quanto a figura tomamos um susto.

Era Olivia, em seu moletom do Pac Man. Ela deu um leve sorriso enquanto olhava para mim e para o computador.

"Vamos jogar?"

Olivia's gameOnde histórias criam vida. Descubra agora