2 = A Corrida =

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Por Lyssa

Saio para a rua sem olhar para ninguém. Sinto o olhar de Thomas preso na minha nuca mas ignoro e dirijo-me para a pista sem proferir uma palavra , sem olhar para ninguém dos outros grupos.
Alguém me agarra o braço e vejo-me forçada a parar. Ergo a cabeça e enfrento Louis , o meu melhor amigo depois de Thomas, cuja expressão preocupada aumenta o nó que se formou na minha garganta. Ele não diz nada e eu também não. Não precisamos.
Outras pessoas aglomeram-se à nossa volta , todas a querer dar apoio. Não preciso olhar para saber quem são : por uma qualquer razão , o destino juntou a minha turma no mesmo Abrigo. Reconheço a voz de Lila , o toque suave de Alice , o abraço caloroso do Dylan. Jordan e Thomas , que também faziam parte da turma , parecem ter ganho esperança graças ao apoio dos amigos. Channel , que todos sempre trataram como se fosse minha irmã , parecia à beira das lágrimas , também ela envolta neste espírito de companheirismo.

Eu não sinto nada. Desde que entrei no Abrigo , orfã de pais e fechada neste sítio horrível por tempo indeterminado , nunca mais me permiti sentir. Nunca mais chorei. Nunca mais ri. ''Não sintas''repeti para mim mesma no dia em que Belle foi para o Coliseu e não voltou , ''Não sintas'' repetia para mim mesma todas as noites , ao ouvir Channel chorar por horas.
''Não sintas'' penso enquanto me dirijo para o meu lugar na Pista. Há primeira vista , parece que vamos fazer uma prova normal de atletismo , uma competição saudável criada num mundo agradável. Não é. Na Corrida enfrentamos armadilhas letais que estão onde menos esperamos , armadilhas que dificultam a nossa chegada à meta.

E se não chegarmos à meta...

Cerro os punhos e preparo-me para avançar mal ''A Morte'' dê a partida. Do meu lado direito , O Coliseu ergue-se em todo o seu esplendor. Sinto-me tentada a olhar para ele , e estou prestes a fazê-lo mas paro a tempo. Por alguma razão e contrariamente aos outros , o Coliseu não me dá arrepios ou medo. O belo edíficio negro atraí-me de uma maneira inexplicável e perigosa. Por isso evito olhar para ele. Sempre que o faço fico enfeitiçada , apática.

-Estás bem ? - pergunta-me Thomas , analisando-me.

-Já não me atrai , Thomas. - minto , sabendo que ele não acredita.

-Já contaste a mais alguém esse teu fascínio pelo Coliseu ?

Abano a cabeça e concentro-me no que está prestes a acontecer. A Corrida. Respiro fundo uma vez e outra. O meu coração galopa. ''Não ganhes. Não percas. Empata'' .

Esta é a minha teoria. Quem perde vai para o Coliseu. Então e se empatarmos ? Vamos todos ?

-GRUPO C COMEÇARÁ A CORRIDA DENTRO DE 3 SEGUNDOS. -anuncia ''A Morte'' , a sua voz metálica a arranhar os altifalantes espalhados por todo o Abrigo - 3...2...1...CORRAM!!!!!

Correr um passo após o outro. O vento na minha cara. Memórias de uma rapariga que corria descalça na relva deste mesmo parque , assustando os pombos e os patos que aqui viviam. Memórias de um mundo que já não existe.

Pelo canto do olho vejo Thomas correr ao meu lado. Tento procurar Channel sem abrandar e vejo-a muito longe de nós , a arfar e a chorar. Faço um sinal a Thomas e abrandamos os dois. Uma sombra passa por mim a toda a velocidade e eu desequilibro-me , apoiando-me em Thomas para não cair.

-JORDAN!- chamo mas ele já lá vai , sem se importar com ninguém.

-SEU COBARDE! - berra Thomas , furioso , dando um braço a Channel e outro a mim. -Ele pode ganhar esta treta mas não vai haver perdedores! Ninguém vai para o Coliseu!

Agarrados uns aos outros , aceleramos o passo , incentivando Channel a não desistir. Estamos motivados , esperançosos até. Já estamos perto do meio do percurso e nada corre mal!

Uma pancada na cabeça faz-me largar o braço de Thomas e caio no chão com um grito de surpresa e dor. Vejo Channel ser empurrada por uma bola vermelha que a atinge com violência e arregalo os olhos sem acreditar na velocidade da bola voadora.

-LYSSA , CUIDADO! - grita-me Thomas no momento em que uma bola voadora está prestes a atingir-me mesmo na cara. Rebolo para o lado e levanto-me , ajudando Channel a evitar as bolas.

-VAI COM O THOMAS , CHANNY !! - berro-lhe ao ouvido e ela assente , dando a mão a Thomas , que dá um soco forte numa das bolas - CORRAM!

Eles assim o fazem e eu corro atrás , levando com as bolas uma e outra vez. Todo o meu corpo dói e cuspo sangue que se me aglomerou na garganta. Dou um forte pontapé numa das bolas e corro velozmente , alcançando Thomas e Channel com facilidade.

-Vocês estão bem ? - pergunto sem parar de correr.

Thomas assente e vejo que tem um olho negro e vários hematomas nos braços descobertos , a T-Shirt que veste manchada de sangue. Faço menção de parar e ver se há alguma coisa que posso fazer mas ele abana a cabeça e acelera o passo. Suspiro e pego na mão de Channel , que parece ter escapado minimamente ilesa. Trocamos um olhar e aceleramos , juntado-nos a Thomas , que não abre a boca.

Prosseguimos em silêncio , atentos ao mais pequeno movimento. Um som que eu não ouvia há muito tempo fez-se ouvir e vi Channel sorrir , encantada.

Água. Belíssimas fontes adornam as margens da pista. O som da água a correr é algo que sempre me acalmou. No entanto , enquanto Thomas e Channel se aproximam lentamente , cativados pelas gotas de água que refletem a pouca luz do ambiente , eu sinto que algo está errado...

-NÃO TOQUEM NA ÁGUA !

Mão de SangueOnde histórias criam vida. Descubra agora